Rio - Maio de 2002. Menos de um mês após a ordenação sacerdotal e com 24 anos, Geovane Ferreira Silva assumia sua primeira igreja: a Paróquia Sagrada Família, no Complexo da Maré. Com 36 anos, ele é o único exorcista da Arquidiocese do Rio de Janeiro com autorização e responsável por cinco das seis paróquias do complexo.
Desde que se tornou padre, o carioca, que nasceu em Campo Grande, está no Complexo da Maré, onde mora em uma casa simples na Favela Nova Holanda, ao lado da paróquia. As dificuldades do local — violência, pobreza e falta de serviços básicos — não atrapalham o trabalho como padre.
“A Maré é uma escola de vida. Cresci e aprendi muito com o sofrimento das pessoas. Vivo essa realidade. É diferente de alguém que vem só para visitar”, diz. A igreja está sempre cheia e o sacerdote conhece todos pelo nome. Nas missas dominicais, os 500 lugares para os fiéis sentarem, muitas vezes, não são suficientes. Nas missas mensais com oração por cura e libertação participam pessoas de diversos bairros.
A atuação como exorcista é mais recente e começou há três anos. Após acompanhar o padre Nelson Rabelo, 92, em rituais, ele fez dois cursos de exorcismo, na Itália, em 2010. No mesmo ano, recebeu a ‘provisão’ — um documento com valor jurídico e espiritual — do cardeal-arcebispo do Rio, Dom Orani Tempesta.“O exorcismo é um chamado de Deus e eu percebi com o tempo que tinha esse carisma. Não é uma vontade pessoal”, afirma.
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O ritual não é comum. Em três anos, padre Geovane exorcizou apenas uma pessoa, em São Paulo. Isso porque há casos cuja origem são psicológica ou física. Além disso, a maioria das pessoas que o procuram —por semana são cerca de 50 atendimentos — sofre de opressão e obsessão (influência de espíritos malignos) e não necessita de exorcismo. “É aquela voz que fica no ouvido inclinando a fazer o mal”, explica.
Mas como saber se o caso é possessão? Quando surge a desconfiança, o padre recomenda que a pessoa seja acompanhada por um psiquiatra, psicólogo ou neurologista, para confirmar se não é um problema mental. Se os profissionais constatarem algo ‘além’ da ciência, pode ser necessário o exorcismo. Quando está com o possesso, o sacerdote esconde um objeto no bolso e, se ele adivinhar, é um sinal de possessão. “Ter aversão a coisas sagradas, falar outros idiomas e contar fatos da vida de outras pessoas podem ser sinais também".
A fé que constrói um lugar melhor
Há anos entre a cruz e a espada, boa parte dos 130 mil moradores da Maré preferiu o lado da cruz. Por inúmeras vezes, a fé foi a única companheira para escapar de situações perigosas e acreditar em tempos melhores. E a crença semeou frutos pelas 17 comunidades, incluindo a MacLaren. Hoje são seis paróquias, 22 capelas e mais de 100 igrejas evangélicas em todo canto.
O espiritismo está presente apenas do lado chefiado pelo Comando Vermelho, já que o Terceiro Comando Puro expulsou centros de umbanda de todos os seus territórios há tempos. Alguns líderes da facção são evangélicos.
A força da religião na Maré é tão grande que, conforme exposto em reunião com o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, na última quinta-feira, traficantes transformaram um coreto de música em igreja. A decisão não pôde ser questionada. “Essa questão da praça é ridícula, absurda”, disse Beltrame, na ocasião, ao ouvir um morador. “É essencial (a fé). Só através dela que podemos acreditar que a Maré se tornará um lugar melhor”, diz a fiel Maria do Socorro, 46 anos.