Por bianca.lobianco

Rio - O presidente da Comissão Nacional da Verdade, Wadih Damous e três senadores da Comissão de Direitos Humanos estiveram, nesta terça-feira, na Delegacia Anti-Sequestro (DAS), no Leblon, na Zona Sul, para interrogar o caseiro apontado pela polícia como envolvido no assalto à casa do coronel Paulo Malhães. Ana Rita (PT-ES), João Capiberibe (PSB-AP) e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) disseram que Rogério Pires negou ter confessado qualquer participação no crime.

O presidente da Comissão Nacional da Verdade%2C Wadih Damous (centro)%2C e os senadores Randolfe Rodrigues%2C Ana Rita e João Capiberibe estiveram na Delegacia Anti-Sequestro (DAS)Estefan Radovicz / Agência O Dia

"O caseiro disse que não confessou o crime. Ele disse que não participou de nada, que não confessou o crime", disse Ana Rita, que acrescentou que o acusado é analfabeto. "Ele não sabe ler e escrever. Não tem advogado, Ele foi ouvido sem a presença de um defensor público. É o que nós vamos providenciar agora através da Comissão da Verdade do Rio", finalizou.

Rogério Pires Teles foi preso sob a suspeita de ter planejado o crime para roubar armas. Ele contou que teve a ajuda de dois irmãos e de mais um homem Fabio Gonçalves / Agência O Dia

A contradição aponta falhas nas investigações da polícia, já que segundo a Civil, o caseiro confessou ter planejado o ataque ao sítio no bairro de Marapicu, na área rural de Nova Iguaçu, onde o coronel Malhães morava. Ainda de acordo com a Civil, o caseiro tinha o objetivo de roubar as armas que o coronel colecionava. Na ocasião, o coronel Paulo Malhães morreu de ataque do coração.

Segundo os senadores, uma cópia do inquérito e do depoimento será solicitada, já que as investigações estão sendo em juízo. 

A casa do coronel Paulo Malhães foi invadida por quatro criminosos, sendo um deles encapuzado, no dia 24 de abril, em uma quinta-feira, quando completaria um mês que o torturador havia confessado à Comissão Nacional da Verdade que teria participado da ação de ocultar os restos mortais do ex-deputado Rubens Paiva, em 1973, na época da Ditadura.

Segundo relatos da viúva Cristina, eles foram abordados quando chegaram ao sítio e separados em cômodos diferentes. De acordo com ela, os criminosos pediam joias e dinheiro para Malhães. O crime aconteceu em uma quinta-feira, mas o corpo de Malhães só foi achado na manhã de sexta-feira, com a cabeça para baixo em cima de um travesseiro.

No atestado de óbito estão listadas como ‘causas mortis’: edema pulmonar, isquemia de miocárdio e miocardiopatia hipertrófica — esta última uma doença cardíaca pré-existente. O laudo de necropsia ainda não está pronto e, por lei, tem o prazo de dez dias para ser entregue — tempo que pode ser prorrogado.

O perito legista Mauro Ricart disse que os dados do atestado apontam para um problema no coração devido à forte emoção. “Ele já sofria de uma cardiopatia grave que pode causar enfarte se passar por um susto ou por uma forte emoção”, explicou.

Corpo de Rubens Paiva foi jogado em rio, diz viúva de Malhães

Pouco antes de morrer, o coronel reformado do Exército Paulo Malhães confiou à mulher, Cristina, uma última revelação histórica. Ele admitiu à companheira dos últimos 25 anos que mentiu no depoimento prestado à Comissão Nacional da Verdade. Na ocasião, em março, ele negou que tivesse trabalhado na missão que ocultou definitivamente o cadáver do deputado federal cassado Rubens Paiva. Cinco dias antes, O DIA publicou uma entrevista em que o coronel assumiu ter recebido e concluído a missão dada a ele por oficiais do gabinete do então ministro do Exército Orlando Geisel, em 1973. Malhães disse a Cristina que os restos mortais de Paiva foram atirados em um rio.

À noite, depois do depoimento de quase três horas, os dois mal entraram na casa do sítio em Marapicu, Nova Iguaçu, e ela diz que não segurou a curiosidade sobre o assunto: “Aquilo que você disse sobre desenterrar o corpo do Rubens Paiva, era mentira ou verdade?” E Malhães respondeu: “Era mentira. Eu fiz.”

Coronel Paulo Malhães%2C que em março confessou ter sumido com o corpo do Rubens Paiva na época da ditadura%2C foi morto em casaJosé Pedro Monteiro / Agência O Dia

Nas conversas íntimas do casal, Malhães não nomeava os guerrilheiros que torturou e matou. Em março, no entanto, ela conta que sentia no marido uma necessidade de desabafar sobre o caso. “A história do Rubens Paiva era a única que eu sabia. Ele falava recentemente e era um desabafar constante. Quando ele contou no depoimento aquela versão, eu estranhei. Só se fosse uma parte que eu não sabia porque ele já tinha me falado sobre isso antes. Ele não podia negar para mim. E o destino final do corpo foi um rio”, contou.

A viúva também disse que não entendia a atitude do marido em assumir a responsabilidade sozinho e não revelar os nomes de todos os oficiais e militares envolvidos na missão. Ao questioná-lo, ouviu do coronel que ele era honesto. “Eu perguntei a ele porque não dava os nomes de todos que tinham participado. Ele dizia que na época que trabalharam no Exército, eles (os colegas) eram leões e, quando acabou, se tornaram ratinhos. Acho que ele mudou a versão no depoimento por causa desses leões”, explicou ela.

Cristina diz que o marido não acreditava em represálias e que também achava possível que, no futuro, ele voltasse a esclarecer o caso. “Ele queria um tempo para a cabeça, mas acho que ele ia dizer a verdade em outro momento”, afirmou a viúva.

'Foi um sufoco para achar'

No dia 19 de março, o coronel Malhães recebeu O DIA em sua casa, mesmo local onde foi assassinado há 12 dias, e contou que havia coordenado junto com também coronel reformado José Brandt Teixeira uma missão para desenterrar o corpo de Rubens Paiva em uma praia do Recreio dos Bandeirantes.

“Recebi a missão para resolver o problema, que não seria enterrar de novo. Procuramos até que se achou (o corpo), levou algum tempo. Foi um sufoco para achar (o corpo). Aí seguiu o destino normal”, disse Malhães.

Rubens Paiva era deputado pelo Rio. Ele foi preso em 1971%2C torturado e morto. Seu corpo nunca foi achadoReprodução

Para localizar o corpo de Paiva, duas equipes trabalharam durante cerca de 15 dias na praia. Também participaram da ação os sargentos Jairo de Canaan Cony e Iracy Pedro Interaminense Corrêa. Apenas Cony está falecido.

Malhães admitiu na ocasião que sabia de quem era o corpo procurado. “Eu podia negar, dizer que não sabia, mas eu sabia quem era sim. Não sabia por que tinha morrido, nem quem matou. Mas sabia que ele era um deputado federal, que era correio de alguém”, contou.

Revelação da viúva constará no relatório final da CNV

Antes de morrer, Malhães confessou à Cristina que jogou corpo de Rubens Paiva em rioDaniel Castelo Branco / Agência O Dia

Para a advogada Rosa Cardoso, membro da Comissão Nacional da Verdade, o esclarecimento prestado por Cristina Malhães é importante para o avanço no caso e também para o relatório final da CNV.

“É muito importante porque desfaz a névoa que o coronel quis lançar à comissão, quando resolveu voltar atrás dizendo que não tinha cumprido a missão. Essa revelação ajudará o relatório final”, afirmou Rosa, que tomou o depoimento de Malhães.

A advogada também considera que a afirmação de Cristina autêntica. “A declaração de Cristina, aparentemente, não pode ter nenhuma segunda intenção em relação ao fato. É uma declaração que transpira autenticidade. Ela é uma pessoa que não tem interesse em distorcer fatos. Ela não teria porque inventar ou acusar ele de algo que não tenha acontecido”, avalia.

No dia 25 de abril, três criminosos invadiram a casa de Malhães. No fim da noite, Cristina encontrou o corpo do marido de bruços e com a cabeça em um travesseiro. Na semana passada, o caseiro do sítio admitiu envolvimento no assalto. O caso segue em investigação.

Calvário de Rubens Paiva

Prisão

Em 20 de março de 1971, Rubens Paiva foi preso e levado de sua casa por agentes armados da Aeronáutica (CISA) até o quartel da 3ª Zona Aérea

Morte

No mesmo dia em que foi preso, Paiva foi levado para o DOI-Codi, na Rua Barão de Mesquita, onde foi torturado até a morte

Alto da Boa Vista

Segundo Malhães, os militares do DOI-Codi enterraram Paiva no Alto da Boa Vista, próximo a estrada. No mesmo local, também forjaram a versão de que Paiva foi resgatado por guerrilheiros quando era conduzido dentro de um fusca. Em janeiro, o general Raymundo Campos confessou a farsa à Comissão Estadual da Verdade

Praia do Recreio

Malhães disse ainda que no mesmo ano o corpo foi retirado do Alto da Boa Vista e enterrado em uma praia do Recreio. Em 1973, os restos mortais foram desenterrados e jogados em um rio não identificado

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