Rio - O presidente da Comissão da Verdade do Rio, Wadih Damous, considerou esclarecedora a revelação do coronel Paulo Malhães a sua mulher, Cristina, de que tinha realmente desenterrado o corpo do deputado federal cassado Rubens Paiva, em 1973, e que os restos mortais foram jogados em um rio. As informações foram reveladas pelo DIA após entrevista exclusiva com a viúva.
“É muito importante mostra que o depoimento dado a nós tem consistência e é dele que vamos ter que tirar as conclusões”, afirmou Damous, ao dizer que pretende pedir proteção para Cristina, para que ela possa prestar um depoimento sobre o caso no futuro. A Comissão Nacional da Verdade também manifestou a mesma intenção, mas disse que quer respeitar o período de luto da viúva primeiro.

Em 21 de março, após publicação de reportagem do DIA em que o coronel assumiu a participação no sumiço do corpo de Rubens Paiva, a Comissão da Verdade do Rio divulgou um depoimento do oficial com a mesma versão sobre a ocultação da ossada.
Polícia insiste no envolvimento do caseiro no crime
Os senadores Ana Rita (PT-ES), Randolfe Rodrigues (Psol-AP) e João Capiberibe (PSB-AP) decidiram criar uma comissão, após avaliar que as investigações que apontavam para um crime de latrocínio estavam mal conduzidas. Na semana passada, o caseiro Rogério Pires Teles foi preso sob a suspeita de ter ajudado a planejar o crime e de facilitar a entrada dos criminosos no sítio.
Nesta terça-feira, a polícia reiterou que ele confessou a participação, mas admitiu que não havia nenhum advogado no interrogatório. “Temos vasto material sobre a suspeita e é inegável o envolvimento do caseiro no crime”, afirmou o delegado da Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense, Pedro Medina. O policial disse ainda que a ausência de um defensor público não é problema para o inquérito. Ele alegou que “foram obedecidas todas as normativas do Código de Processo Penal”.
Rogério continua na DAS porque o local atende às exigências da lei ao mesmo tempo que permite acesso mais ágil dos investigadores ao preso. Dois irmãos do caseiro também são apontados como autores do crime: Anderson e Rodrigo Pires. Um terceiro homem que estava encapuzado e de luvas ainda não foi identificado.
Apesar das contradições, segundo a polícia, a principal linha de investigação continua sendo a de latrocínio. O laudo cadavérico de Malhães ainda não está pronto. O perito pediu prorrogação de 10 dias para a entrega do documento.
Caseiro negou participação no crime
O caseiro Rogério Pires Teles negou ontem aos senadores Ana Rita (PT-ES), João Capiberibe (PSB-AP) e Randolfe Rodrigues (Psol-AP) e o presidente da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, Wadih Damous, ter colaborado com os assassinos — que seriam seus irmãos — do coronel Paulo Malhães. A revelação contesta a versão da polícia de que o militar foi morto num assalto planejado por Teles. Mas o delegado Pedro Medina, responsável pelo caso, reafirmou ontem que ouviu a confissão do caseiro e que há indicios que a confirmam.
Malhães confessara ter participado de tortura e assassinato de presos políticos, e os senadores vieram ao Rio porque consideram apressada a conclusão de latrocínio (roubo seguido de morte). Na semana passada, Randolfe afirmou que a queima de arquivo não deveria ser descartada e pediu a Polícia Federal no caso.

Ontem, o caseiro foi ouvido na Delegacia Anti-Sequestro (DAS), no Leblon. “Ele disse que não confessou, que não participou de nada”, afirmou Ana Rita. Segundo ela, o acusado é analfabeto. “Ele não sabe ler e escrever. Não tem advogado e foi ouvido sem a presença de um defensor público. E é o que nós vamos providenciar agora através da Comissão da Verdade do Rio.”
Damous criticou a ausência de um defensor no atendimento ao caseiro. “Causa estranheza o fato de que ele foi ouvido, sendo analfabeto, sem a presença de um defensor. Isso é gravíssimo”. Para Randolfe, a comissão conseguiu alguns esclarecimentos. “Quem está preso admite para nós que não confessou o assassinato de Paulo Malhães. Os que foram detectados como responsáveis pelo assassinato não atuaram isoladamente. Existem outros responsáveis. Existem um conjunto de informações que, se não fosse a vinda dessa comissão do Senado, não seriam de conteúdo público”.
Outra informação dada pelo caseiro é que os criminosos fizeram ligações telefônicas do sítio. “Uma informação importante que ele nos deu foi de que os irmãos falavam por telefone com pessoas de fora e diziam ‘que ele ainda estava ali’, estavam aguardando alguém chegar. Essas ligações podem ser interceptadas pela polícia”, disse Capiberibe.
Em 24 de abril, o sítio do coronel em Nova Iguaçu, foi invadido por três homens, que fizeram ele, a mulher, Cristina Malhães, e o caseiro reféns. Quando eles saíram, segundo Cristina, o corpo do militar estava caído de bruços e com o rosto sob um travesseiro sujo de sangue. A perícia constatou sinais de asfixia. O atestado de óbito diz que a morte foi por “edema pulmonar, isquemia de miocárdio e miocardiopatia hipertrófica”, doença pré-existente. O quadro aponta para infarto.
Malhães admitiu à mulher ter jogado corpo no rio
Pouco antes de morrer, o coronel admitiu à mulher que mentira no depoimento prestado à Comissão Nacional da Verdade. Na ocasião, em 25 de março, ele negou que tivesse trabalhado na missão que deu sumiço no cadáver de Paiva.
Cinco dias antes, o DIA publicara uma entrevista em que o coronel assumia ter recebido e concluído a missão dada a ele por oficiais do gabinete do então ministro do Exército Orlando Geisel, em 1973. À noite, depois do depoimento, Cristina perguntou: “Aquilo que você disse sobre desenterrar o corpo do Rubens Paiva, era mentira ou verdade?” E Malhães respondeu: “Era mentira. Eu fiz.” Malhães confessou à mulher que “o destino final do corpo foi um rio”.