Por thiago.antunes

Rio - A greve dos rodoviários fez, mais uma vez, com que o dia da população fosse de muitos transtornos. Assim como na última quinta-feira, mais de 2 milhões de pessoas sofreram para chegar ao trabalho e voltar para casa pela falta de ônibus. As cenas de vandalismo contra os coletivos que se arriscaram a sair também se repetiram, espalhando o medo e piorando a situação dos cariocas. “Depois de uma jornada de trabalho, vou ter que encarar mais 40 minutos andando até a minha casa porque apedrejaram o BRT”, lamentou o guarda noturno André Luiz Bastos, 39 anos.

Apesar do anúncio da paralisação, no fim da tarde, muitos usuários foram surpreendidos. Às 6h, a auxiliar de serviços gerais Lucinete de Souza, 53, aguardou por uma hora e meia em um ponto da Avenida Brasil, em Manguinhos, por um ônibus para chegar ao condomínio onde trabalha, na Barra da Tijuca.

>>> FOTOGALERIA: Nova paralisação dos ônibus atrapalha a vida do carioca

“Sou sempre a primeira a chegar ao trabalho. Não sabia da greve. Vou ter que voltar para casa”, disse, desanimada. O carpinteiro José Matias do Nascimento, 55, não quis perder a esperança de chegar ao serviço e decidiu esperar por um ônibus. “Sabia da greve, mas vim mesmo assim porque na semana passada consegui chegar. Desta vez parece que a situação está pior”, analisou.

A Zona Oeste foi uma das regiões mais prejudicadas pela redução, que chegou a atingir 90% da frota no início da manhã. Os ônibus do BRT Transoeste ficaram superlotados, com apenas 40% da frota circulando e o trecho Santa Cruz — Campo Grande fechado. Nem mesmo os bilheteiros de algumas estações conseguiram chegar ao trabalho. Quem queria pagar em dinheiro pôde passar pela roleta sem abrir a carteira em três estações: Novo Leblon, Rio Design e Riomar.

De acordo com a Rio Ônibus%2C 158 coletivos foram depredados quando saíram para as ruas. A maioria%2C no entanto%2C ficou o dia todo nas garagensSeverino Silva / Agência O Dia

Aproveitando a falta de ônibus, motoristas de vans de Rio das Pedras cobraram até R$ 15 para levar passageiros à Zona Sul, segundo denúncia de moradores. A tarifa cinco vezes superior à de um dia normal não afugentou a população, que viu no transporte alternativo a única forma de chegar ao trabalho. A prefeitura informou ter enviado ao local fiscais da Coordenadoria Especial de Transporte Complementar.

O secretário municipal de Transportes, Alexandre Sansão, falou em “punição severa” aos oportunistas.Por volta das 10h30 já não havia mais vans para a Zona Sul em Rio das Pedras. A balconista Andréia Marques, 23, desistiu de ir para o serviço, na Gávea, após 45 minutos de espera. “De manhã, as vans para a Zona Sul estavam lotadas, mas agora nem isso temos. E ônibus, só para a Barra”, disse.

Passageiros ainda encontram uma cena inusitada na Linha Cidade de Deus — Gávea. Com medo de represálias de grevistas, um motorista conduziu o veículo com uma fantasia como disfarce. A Rio Ônibus divulgou vídeos mostrando três ataques de supostos grevistas que invadiram os ônibus e roubaram as chaves.

Plano de contingência será repetido

Apesar de admitir que ontem o número de ônibus em circulação foi menor que o esperado, o secretário municipal de Transportes, Alexandre Sansão, avalia que o plano de contingência funcionou. “Esperávamos 30% da frota, mas só 18% rodaram no município. Vamos repetir (hoje) o plano, com 100% da frota do metrô, dos trens e das barcas funcionando”, disse. Sansão está pressionando os consórcios para que convoquem os rodoviários a voltar ao trabalho. “Será um dia de dúvidas, mas esperamos que tudo se resolva.”

Especialista em Engenharia de Transportes e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Alexandre Rojas acredita que o impacto para o carioca foi menor do que o sofrido na semana passada. “Houve planejamento mais eficiente dos modais alternativos, como barcas, trens e metrô. Não há muita escapatória quando menos de 30% da frota de ônibus atuam”, ressalta. Mesmo com a avaliação positiva de Sansão, passageiros do metrô enviaram fotos para o WhatsApp do DIA mostrando as plataformas superlotadas na Estação Carioca, por volta das 17h30.

Hélio Alfredo Teodoro pediu desculpas à população pelos transtornosErnesto Carriço / Agência O Dia

Líder denuncia grupo armado

Um dos líderes do movimento grevista, Hélio Teodoro, voltou a fazer denúncias contra as empresas que contratam grupos armados para ameaçar rodoviários. Ontem, ele afirmou que na garagem da Campo Grande, na Zona Oeste, havia seguranças armados intimidando profissionais.

“As empresas têm dinheiro para pagar essas pessoas, mas não têm para aumentar nosso salário”, alegou Hélio, que também acusou a participação de milicianos na região. A Rio Ônibus negou todas as acusações e afirmou que a segurança das garagens está sendo feita pela Polícia Militar, para garantir o trabalho dos rodoviários.

‘Cabeças’ têm ligação com partidos

Além de Hélio, outras três pessoas estão por trás do movimento grevista. Luiz Fernando Mariano, 41 anos, e rodoviário há 25 anos, é filiado ao Partido Republicano Brasileiro (PRB) desde 2008, quando foi candidato a vereador e recebeu 755 votos. “Me candidatei porque era conhecido na minha comunidade”, diz ele, morador da Nova Holanda.

A cobradora Maura Lúcia Gonçalves, 50 anos e há 15 na profissão, já passou por mais de quatro empresas. Em seu perfil na rede social, ela aparece ao lado da deputada estadual Clarissa Garotinho (PR) durante ato dos bombeiros. “Não tenho envolvimento político. Estava lá para apoiar a causa”, alega. O motorista Luis Cláudio da Rocha Silva não participou da coletiva de ontem por temer represálias.

Pegos de surpresa

Muita gente que veio de outros municípios da Região Metropolitana só ficou sabendo da greve ao chegar à Central do Brasil. Foi o caso do pintor Fábio José dos Santos, de 38 anos, que saiu de Duque de Caxias, onde mora, às 5h, para o primeiro dia de trabalho no emprego novo — uma construtora no Leblon, Zona Sul. “Cheguei na Central às 7h e aí que fui saber da greve. Esperei até as 8h e nada de ônibus. Aí, liguei para o serviço e me liberaram, mas amanhã (hoje) tenho de tentar de novo. Me ensinaram a pegar o trem até São Cristóvão e, de lá, pegar o ônibus para a Zona Sul”, contou.

O pintor Fábio não conseguiu chegar para o primeiro dia do novo emprego ponto. Hoje%2C ele tentará de novoSeverino Silva / Agência O Dia

Até mesmo moradores da capital foram surpreendidos. “Não sabia da greve. Ninguém avisou nada. Não consegui o emprego a que me candidatei e ainda arrumei um problema para voltar para casa”, lamentou o garçom Cleiton de Souza, 30. Ele embarcou em um táxi na Central, disposto a pagar mais de R$ 50 pela corrida. Outro pego de surpresa foi Antonio de Souza, morador de Tinguá, na Baixada.

O maqueiro do Hospital Pedro Ernesto chegou à Central às 17h30, quando a oferta de ônibus já era maior do que pela manhã. Após 10 minutos, conseguiu embarcar para Vila Isabel. Neste horário, os ônibus intermunicipais e para a Grande Tijuca passavam com maior frequência, mas as linhas com destino aos bairros suburbanos geravam correria entre os passageiros e deixavam a Central lotados.

Acusados de depredação são detidos

Na Penha, uma cobradora e um motorista foram detidos após retirar e quebrar a chave de um ônibus da linha 945 (Pavuna x Ilha do Fundão) na Av. Brasil. O Batalhão de Policiamento de Vias Especiais (BPVE) levou Adriano Modesto Manhães, 35 anos, e Shirley da Costa Barbosa, 54, para a 22ª DP (Penha). Na mesma via, mas na altura de Padre Miguel, o batalhão também prendeu um homem que quebrou coletivo da linha 397 (Campo Grande X Largo da Carioca), da Viação Campo Grande. 


Em Santa Cruz, três manifestantes foram detidos na Estação Pingo D’Água, em Sepetiba, após depredarem um ônibus do BRT. Dois ocupantes de uma moto foram detidos pelo Batalhão de Choque depois de ameaçarem motorista da linha 410, impedindo que seguisse viagem.

Prejuízo do comércio foi ainda maior

A segunda greve em menos de uma semana gerou prejuízos de R$ 280 milhões ao comércio de rua e de shoppings. No acumulado, as perdas no faturamento chegam a R$ 530 milhões. Os cálculos são estimados pelo presidente do Clube dos Dirigentes Lojistas do Rio (CDL) e do Sindicato dos Lojistas do Comércio do Município do Rio (Sindilojas Rio), Aldo Gonçalves.

“Nossa estimativa aponta perdas de 70% no faturamento, maiores do que as da semana passada, quando calculamos prejuízo de 60%, da ordem de R$ 250 milhões”, afirmou Aldo. “Como já sabia da paralisação e com medo da violência, a população não saiu de casa. Quem foi às compras só adquiriu artigos de primeira necessidade, como comida e remédios”, completou.

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