Por tabata.uchoa

Rio - Abrigada na velha casa que foi de sua mãe, Terezinha Maria de Jesus, 40 anos, tenta buscar forças para encarar o recomeço na terra onde nasceu: Corrente, no extremo sul do Piauí. Pouco importa que ela, o marido e três filhos tenham que dividir quatro pequenos cômodos com mais sete pessoas da família da irmã. Nem as diversas goteiras que se formam quando chove incomodam. A antiga morada no bairro Vermelhão, na periferia da cidade, ajuda a trazer a sensação de segurança perdida no último dia 2, quando o filho Eduardo, 10 anos, foi assassinado com um tiro no Complexo do Alemão, durante uma ação policial.

Família reunida em frente à casa no Piauí%3A união para superar a tragédia no AlemãoReprodução Internet

Agora, Terezinha quer ficar de vez com sua família em Corrente. Na conversa com o DIA, o balanço dela e do marido sobre os 16 anos vividos no Rio foi doloroso. Ela diz que enterrar o filho em sua cidade natal foi uma forma de buscar consolo. “Meu Corrente, meu Piauí me carregou. Eu sabia que aqui o meu povo ia me abraçar”, desabafa a mãe de Eduardo.

Quando deixou a cidade, aos 17 anos, em 1992, Terezinha levava consigo apenas um punhado de roupas e a imensa vontade de viver melhor. O primeiro destino, como a maioria de seus conterrâneos, foi Brasília. Lá, esperava encontrar em abundância os empregos que tanto faltavam em sua terra.

Na capital federal, ela conheceu o marido, José Maria Ferreira, e começou a formar sua família. Em 1998, o casal partiu para o Rio. Levavam vida simples. Terezinha trabalhava como diarista e o marido como ajudante de pedreiro. Das paisagens que caracterizam a cidade como maravilhosa, não conheceram as principais. “Nunca tivemos tempo nem condições para ir ao Cristo (Redentor) ou ao Pão de Açúcar. A única coisa que consegui fazer foi assistir um show do Amado Batista”, conta Terezinha.

Eduardo Ferreira estava sentado com o caderno escolar na porta de casa quando foi atingidoReprodução

Enquanto a família vivia no Rio, Corrente mudou. Hoje o cenário é diferente e, ao menos na última década, a vida de seus conterrâneos melhorou um pouco. De acordo com o último Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil, a população extremamente pobre da cidade diminuiu de 52,49% para 20,97. O prefeito da cidade, Jesualdo Cavalcanti Barros, avalia que os índices tem relação com a melhora no acesso à Educação e com a participação de quase 6 mil famílias no Bolsa Família.

O antigo problema na criação de empregos, porém, permanece. “A falta de energia mantém a região atrasada. Outra questão é que criamos gado e não tem um único frigorífico próximo daqui”, aponta. Corrente tem cerca de 50 mil cabeças de gado, o dobro da população de 25 mil habitantes.

A escalada da violência, que assusta os moradores do Alemão e resultou na morte de Eduardo, também preocupa os moradores da cidadezinha.As proporções, no entanto, são bem diferentes. A delegacia da região, que atende cerca de 14 municípios, com população estimada de 90 mil habitantes, registrou 18 homicídios no ano de 2013. A família volta ao Rio essa semana apenas para ajudar na investigação do assassinato do filho. Depois disso, eles retornam de vez a Corrente em busca de forças para seguir sem Eduardo.

Primo desiste de se mudar para o Rio

A trágica morte de Eduardo também mudou o destino de seu primo Jozimar, de 23 anos, que estava se mudando de Corrente para o Rio. “Eu ia viajar na sexta-feira e a previsão era de chegar no Domingo de Páscoa”, diz ele. Desempregado há oito meses, Jozimar explica que José, seu tio e pai de Eduardo, já tinha conseguido emprego na mesma construtora onde trabalhava, em Jacarepaguá.

Na manhã do dia em que Eduardo morreu, Terezinha chegou a depositar R$ 340 para ajudar com as despesas da viagem do sobrinho. Ele teria que ir primeiro a Brasília, para depois pegar um ônibus até o Rio. Eduardo foi assassinado poucas horas antes de o primo comprar a passagem.

“Aqui é difícil arrumar emprego. Queria construir uma casa para a minha mãe, a dela está muito ruim. Ela mora só, não tem marido e a gente precisa ajudar. O plano era ficar pelo menos uns dois anos, mas agora não vou mais e nem sei o que vou fazer”, confessa Jozimar.

Ele diz que estudou até a quarta série. Depois, precisou trabalhar para ajudar a mãe e os outros sete irmãos.

Sonho da casa virou pesadelo

Além do filho caçula, a família também perdeu o principal sonho que pretendia realizar quando chegou ao Rio: ter a casa própria. “A gente queria muito sair do aluguel e comprar uma casinha no Alemão. Mas, seis anos atrás, desapropriaram a nossa casa para a obra do teleférico”, conta José, marido de Terezinha e pai de Eduardo.

Desde então, a família recebe R$ 400 de aluguel social. Até hoje não foi indenizada, conforme foi prometido à época. “O dinheiro do cheque nem dá porque nosso aluguel é R$ 450”, revela Terezinha. Na ocasião da desapropriação, a família também foi cadastrada no programa Minha Casa Minha Vida, mas a tão esperada nova moradia nunca foi entregue. “Esse sonho foi por água abaixo e agora, com a morte do Eduardo, minha vida virou um pesadelo”, desabafa José.

Consultadas sobre o caso de Terezinha e José, as autoridades responsáveis fizeram jogo de empurra. A Prefeitura do Rio se limitou a informar que a responsabilidade pelas desapropriações da obra do teleférico era do governo estadual. Já o Estado disse que o cadastro do programa de habitação é de competência da Prefeitura. Nenhum dos dois informou qualquer previsão para o pagamento de indenização ou entrega de nova moradia para Terezinha, José e sua família.

A indefinição sobre a casa e sobre a o pagamento da indenização revolta ainda mais a família, que já foi tão castigada pela dor. “Não vou deixar isso barato porque, nessa volta a para Corrente, teremos que ficar na casa da minha irmã. Não temos para onde ir”, lamenta a mãe de Eduardo.

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