Rio - "Foi uma morte brutal e ignorante. No Rio, a gente não pode errar uma rua que morre. Isso só acontece aqui, onde está tudo em guerra e bandidos têm mais poder que o estado. O estado não dá um pingo de assistência a nenhum cidadão. As pessoas trabalham, pagam impostos e não têm direito nem mesmo de errar uma rua. Que Rio é esse?". O desabafo, com a voz embargada, é de William Cancela, 29 anos, irmão do alpinista Ulisses da Costa Cancela, 36, baleado na noite de sábado quando voltava de uma festa no Rio e seguia para Petrópolis, onde morava.
O alpinista industrial e caldeireiro da empresa Elfe Óleo & Gás — que presta serviços para a Petrobras — foi atingido por um tiro na cabeça, após errar o caminho e entrar com o carro, por engano, na favela Vai Quem Quer, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, na noite de sábado. Ele havia acabado de sair da festa do filho de seu patrão. Estavam com ele no carro, um Ford Ka, a sua mulher, com quem era casado há dez anos, e um casal de amigos. Bandidos dispararam contra o veículo e um dos tiros atingiu o alpinista. Os outros ocupantes não se feriram, mas passaram momentos de pânico até serem socorridos por policiais militares do 15º BPM (Duque de Caxias).
Apesar de ter nascido em Petrópolis, no estado do Rio, William mora em Curitiba. Indignado com a morte de seu irmão, ele critica a insegurança no estado e promete lutar por justiça. "Foi uma vida tirada a troco de nada. Queremos Justiça. Isso é o mínimo. Espero que meu irmão não vire estatística. O ser humano não é numero. A gente tem direito de ir e vir para onde quisermos. Ele saiu de uma festa de criança à noite e acabou baleado. Que dizer que 22h30 é horário de toque de recolher no Rio?", disparou o jovem.
Ele lembrou ainda a dor de sua mãe, Roseli Cancela: "Cadê o governador essa hora? Onde ele estava enquanto a minha mãe estava enterrando o próprio filho no Dia das Mães".
Tia de Ulisses, a aposentada Maria das Graças Cancela de Lima, 66, contou que o jovem estava fazendo planos para ter filhos. "Estamos em pânico. Nossa vida acabou. A mãe dele parece que envelheceu 10 anos", disse ela, lembrando das conquistas do sobrinho: "Ele era um rapaz querido por todos. O enterro dele foi uma coisa que eu nunca vi. Ele era uma benção. Corria muito atrás das coisas. Tudo o que ele conquistou foi com muito trabalho. Ele queria vencer, era uma pessoa muito digna".
Alpinista morto ao entrar por engano em favela voltava de festa no Rio
Bandidos 'debocharam' da vítima
Segundo o irmão de Ulisses, os bandidos chegaram a rir depois de terem alvejado o rapaz. Os criminosos ainda debocharam dos outros três ocupantes do carro. "Meu irmão ainda foi herói, porque chegou a dar ré para salvar a vida dos outros no carro. Eles disseram que os criminosos ainda debocharam ao vê-lo baleado", contou William.
O alpinista deu ré e bateu com o veículo em um muro. Segundo relatos de outros parentes, criminosos teriam mandado um homem levar o grupo até o posto da concessionária Concer, de onde os três seguiram na tentativa de socorrer William.
A Favela Vai Quem Quer, que fica na região conhecida como Lote 15, considerada uma das mais perigosas do município da Baixada.
De acordo com o delegado Fábio Cardoso, titular da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), foi realizada perícia no local e no veículo onde estava a vítima. Testemunhas foram ouvidas pela especializada para tentar identificar os autores dos disparos contra o grupo. A polícia acredita que os bandidos têm ligação com o tráfico local e atiraram por confundir as vítimas com criminosos rivais.
Ulisses ainda foi levado para o Hospital de Imbariê, no mesmo município, mas não resistiu aos ferimentos. O caso foi registrado inicialmente na 60ª DP (Campos Elíseos), ainda na noite de sábado, mas a DHBF assumiu as investigações.