Rio - Sob a mira de armas e com a tensão de ter entrado, por engano, na favela dominada pelo tráfico, Vila do Sapê, na Baixada Fluminense, o alpinista Ulisses da Costa Cancela, de 36 anos, teve poucos segundos para tomar uma decisão que mudaria o destino dos quatro ocupantes da HB20 que ele dirigia. E, mesmo sendo alvo de tiros, Ulisses conseguiu mandar a família se abaixar e dar marcha ré no carro, antes de ser atingido na cabeça. Três disparos perfuraram a lataria do veículo, mas bandidos teriam feito mais de 20 disparos.
O alpinista morreu horas depois no Hospital Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias. “Meu irmão foi um herói. Ele deu ré para salvar a vida dos outros no carro. Os criminosos ainda debocharam ao vê-lo baleado. Não se pode errar uma rua no Rio, senão você morre. Que dizer que 22h30 é horário de toque de recolher no Rio?”, desabafou William Cancela, 29, irmão da vítima, ressaltando que os bandidos chegaram a rir depois de balear o rapaz, segundo testemunhas contaram.
O engano de Ulisses ao parar na Vila do Sapê, poderia ter sido cometido por qualquer motorista que não conhece a região: no local, não há placas informando por onde o condutor está seguindo. Segundo o tio da vítima, Farlen Macieira, Ulisses virou à direita em um trecho da rodovia Rio-Teresópolis (BR-116), às 23h, acreditando que pegaria Estrada Velha da Estrela, em Imbariê.
O carro andou uns 100 metros quando começaram a atirar contra ele, ainda em movimento. Ulisses mandou que todos se abaixassem e tentou fugir de ré, mas foi atingido na cabeça. O veículo ainda colidiu contra um muro”, contou o tio. No local, havia barricada feita pelos bandidos com troncos de árvores.
Segundo Farlen, criminosos ainda teriam mandado um homem levar Ulisses em um Chevette até o pedágio. “É a degradação humana. Nós já perdemos o direito de ir e vir. Agora meu sobrinho perdeu o direito de viver. O Rio não tem lei e os bandidos têm mais poder que o Estado”, criticou Farlen, acrescentando que Ulisses estava feliz por ter quitado a última parcela de seu carro dias antes.
O corpo do alpinista industrial e caldeireiro da empresa Elfe Óleo & Gás, que presta serviços para a Petrobras, foi enterrado domingo, no Cemitério de Petrópolis. Ele voltava para a cidade da Região Serrana, onde morava, com a mulher e um casal de amigos, após sair de uma festa da filha de um chefe do trabalho.
A Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF) fez perícia no local do crime e ouviu o depoimento da viúva. Os amigos devem prestar depoimento até o fim da semana. Segundo as investigações, os bandidos podem ter confundido o carro da vítima com o de rivais.
Tráfico ocupa os dois lados da rodovia
A comunidade Vila do Sapê é dominada por bandidos da facção criminosa Comando Vermelho. Segundo o tenente-coronel João Jacques Busnello, comandante do 15º BPM (Duque de Caxias), a favela não tem tantas ocorrências como as demais vizinhas. Mas não é o que os moradores dizem.
“A região ficou muito perigosa. Os traficantes atuam nos dois lados da rodovia. Temos medo de falar”, contou um morador, que teme ser identificado.