Rio - "Foi uma fatalidade. Ele era muito amado e queria o bem de todo mundo. Agora, a polícia vai fazer o trabalho dela para encontrar os responsáveis". Com essas palavras, a víuva do alpinista Ulisses da Costa Cancela, 36 anos, Jennifer Pinheiro, resumiu seu depoimento na Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF). Os agentes buscam pistas que levem aos homens que atiraram em Ulisses quando ele entrou por engano na favela Vila do Sapê, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, no último sábado.
Sob a mira de armas e com a tensão de ter entrado, por engano, na favela dominada pelo tráfico, ele teve poucos segundos para tomar uma decisão que mudaria o destino dos quatro ocupantes da HB20 que dirigia. E, mesmo sendo alvo de tiros, Ulisses conseguiu mandar a família se abaixar e dar marcha ré no carro, antes de ser atingido na cabeça. Três disparos perfuraram a lataria do veículo, mas bandidos teriam feito mais de 20 disparos.
O alpinista morreu horas depois no Hospital Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias. “Meu irmão foi um herói. Ele deu ré para salvar a vida dos outros no carro. Os criminosos ainda debocharam ao vê-lo baleado. Não se pode errar uma rua no Rio, senão você morre. Que dizer que 22h30 é horário de toque de recolher no Rio?”, desabafou William Cancela, 29, irmão da vítima, ressaltando que os bandidos chegaram a rir depois de balear o rapaz, segundo testemunhas contaram.
Sem placas para orientação
O engano de Ulisses ao parar na Vila do Sapê, poderia ter sido cometido por qualquer motorista que não conhece a região: no local, não há placas informando por onde o condutor está seguindo. Segundo o tio da vítima, Farlen Macieira, Ulisses virou à direita em um trecho da rodovia Rio-Teresópolis (BR-116), às 23h, acreditando que pegaria Estrada Velha da Estrela, em Imbariê.
O carro andou uns 100 metros quando começaram a atirar contra ele, ainda em movimento. Ulisses mandou que todos se abaixassem e tentou fugir de ré, mas foi atingido na cabeça. O veículo ainda colidiu contra um muro”, contou o tio. No local, havia barricada feita pelos bandidos com troncos de árvores.
Segundo Farlen, criminosos ainda teriam mandado um homem levar Ulisses em um Chevette até o pedágio. “É a degradação humana. Nós já perdemos o direito de ir e vir. Agora meu sobrinho perdeu o direito de viver. O Rio não tem lei e os bandidos têm mais poder que o Estado”, criticou Farlen, acrescentando que Ulisses estava feliz por ter quitado a última parcela de seu carro dias antes.
O corpo do alpinista industrial e caldeireiro da empresa Elfe Óleo & Gás, que presta serviços para a Petrobras, foi enterrado domingo, no Cemitério de Petrópolis. Ele voltava para a cidade da Região Serrana, onde morava, com a mulher e um casal de amigos, após sair de uma festa da filha de um chefe do trabalho.
Tráfico ocupa os dois lados da rodovia
A comunidade Vila do Sapê é dominada por bandidos da facção criminosa Comando Vermelho. Segundo o tenente-coronel João Jacques Busnello, comandante do 15º BPM (Duque de Caxias), a favela não tem tantas ocorrências como as demais vizinhas. Mas não é o que os moradores dizem.
“A região ficou muito perigosa. Os traficantes atuam nos dois lados da rodovia. Temos medo de falar”, contou um morador, que teme ser identificado.