Por karilayn.areias

Rio - Questionadas por conta da violência que voltou a castigar algumas das comunidades onde estão instaladas, as UPPs ganharam um fôlego extra: pesquisa da Secretaria Estadual de Prevenção à Dependência Química mostra que, de 2012 até o ano passado, o número de atendimentos e internações de usuários de drogas em equipamentos públicos mais do que dobrou no Estado. De 2.026 em 2012, saltou para 4.291. O município do Rio, sozinho, responde por 47,7% dos atendimentos.

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“Quanto mais dificuldades para achar a droga, mais chances do dependente químico procurar ajuda”, conta a assistente-social Gisele de Paula Barros Andrade, coordenadora da Vila Serena, um dos mais respeitados centros de reabilitação da cidade, fundado em 1982. Por lá já passaram 5.373 pessoas em busca de se livrar de vícios como álcool, cocaína, maconha e, mais recentemente, crack. “Qualquer política que dificulte o acesso às drogas é preventiva.”

A pesquisa mostrou que, ao contrário do que se imagina, é a cocaína, e não o crack, a droga que mais destroi: segundo os dados, o percentual do total de atendimentos saltou de 51,4% para 59,8%, de 2013 até março deste ano. O crack fez o movimento inverso: saiu de 29,4% para 17,7%. O álcool, droga legal, mantém a 2ª posição, subindo de 28% para 35,4%.
Na metodologia da secretaria, o usuário que é atendido, por livre e espontânea vontade, responde quais drogas utiliza. Todas as citadas entram na estatística. “O consumo de droga não tem classe social, não faz diferença entre asfalto e favela”, diz o titular da secretaria, Filipe Pereira. “As UPPs possibilitam um ambiente favorável à entrada de serviços públicos, e com isso conseguimos atingir uma parcela da população que não buscava ajuda fora daquele território.”

Conselheiro em dependência química na clínica Espaço Cliff, Sérgio Couto também acredita na equação que une menos oferta de droga a mais pedidos de ajuda. “Quando se abre a possibilidade de tratamento, obtem-se mais procura”, acredita ele, que escreve um livro sobre o assunto. “As UPPs, quer queiram ou não, diminuiram o acesso às drogas.”

Se na rede particular ainda não há uma associação de clínicas que centralize os números, Gisele usa a experiência de 33 anos da Vila Serena para justificar sua opinião. Para ela, é preciso olhar com mais atenção para o álcool — principal porta de entrada para outras drogas. “O usuário minimiza o álcool e a maconha. Só com o tempo percebe que todas drogas estão interligadas.”

Maré vive onda de pedidos de socorro

A mistura dos números da pesquisa com a experiência de profissionais e voluntários de tratamento encontra eco no Complexo da Maré. É lá, a partir da Nova Holanda, que Sebastião Araújo, 52 anos, ajuda usuários da favela a encontrar alívio para a dor da dependência química.

“É um trabalho de força”, conta Tião, que também atua no Instituto Vida Real, onde 200 moradores, de 12 a 90 anos, aprendem informática, grafite, música e cidadania, entre outras. “O número de atendimentos aumentou muito desde o ano passado”.

Com a diminuição da oferta de droga na comunidade onde mora, conseguir ‘a próxima dose’ ficou mais difícil para os usuários. Diariamente, amigos de dependentes e os próprios usuários batem à sua porta, pedindo ajuda para mudar de vida. Muitos ficam pelo meio do caminho. Mas Tião não desiste.

“Eu os encaminho a uma clínica em Magé, a ‘Resgatando Vidas’”, diz, ele próprio dependente químico, ‘limpo’ (sem usar) há mais de oito anos. “Mas é preciso força. O cara com 15 dias melhora e, quando bate a abstinência, já quer ir embora.”

Preto, pardo e sem ensino fundamental

A pesquisa traça um retrato fiel dos usuários que pedem ajuda à rede pública, em que homens são maioria, com 83,5%. O drama parece aumentar quanto mais escura é a cor da pele — 57,9% dos usuários atendidos são pretos ou pardos.

“Por isso sou contra a redução da maioridade penal”, diz Sérgio Couto. “Ela só servirá para prender pretos e pobres.”

A baixa escolaridade também se destaca: 38,4% têm o ensino fundamental incompleto. Entre os usuários de crack, o número salta para 47% — indício de que a droga atinge mais os pobres. “Mas há um crescimento de usuários de crack na Vila Serena também”, conta Gisele. “Em muitos casos não temos como atender, pois chegam agressivos e primeiro têm de passar pela psiquiatria.”

As mulheres também parecem mais vulneráveis ao crack. Se no geral representam 16,5%, entre os usuários da ‘pedra’ chegam a 27,1%. “Estes dados são extremamente importantes para a melhoria dos nossos serviços e para que o Estado pense em políticas públicas cada vez mais coerentes com a realidade”, conta o secretário Filipe Pereira.

A baixa parcela da população de rua entre atendidos também surpreende: 82,5% têm residência fixa — 3,9% completaram o ensino superior.

Depois do Rio, Campos é a cidade que mais registra pedidos de ajuda. De acordo com a pesquisa, 8% vieram de lá. “Aumentamos as vagas de acolhimento de 90 para 504. E estamos em licitação para termos mais quatro clínicas”, conclui Felipe.

 

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