Por adriano.araujo

Rio - As declarações do coronel da reserva do Exército Fernando Montenegro foram recebidas com tristeza e perplexidade por moradores dos Complexos do Alemão e da Maré. Montenegro foi comandante em 2010 de uma das duas forças-tarefa da pacificação do Complexo do Alemão e defendeu ontem em entrevista ao DIA que fosse instalada uma espécie de estado de sítio na Maré.

“Como vai garantir o direito do cidadão à liberdade? Onde fica o ser humano vivendo numa favela sitiada?”, questionou Lúcia Cabral, moradora do Alemão e coordenadora do Centro de Referência dos Direitos Humanos do Complexo. Ela diz que ficou em choque ao ler a defesa das ações armadas feita pelo militar. “Achei assustador. O poder público vive dizendo que tem que garantir o direito de ir e vir, mas qual é o direito da favela? Não somos cidadãos?”, critica Lúcia.

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Montenegro%2C que comandou força-tarefa da pacificação no Alemão%2C diz que Exército deveria ter a mesma liberdade de atuação que o tráficoBanco de imagens

O diretor e fundador da Redes da Maré, Edson Diniz, também disse ter ficado preocupado com o olhar do militar sobre o trabalho na comunidade. “É a visão de um exército combativo e uma população inimiga. Na Maré tem trabalhadores que movimentam a economia e a cultura da cidade. Não são um exército inimigo que pode ter suas casas invadidas”, observa Diniz.

Ele ressalta que um dos principais problemas na comunidade é a falta de protocolo no relacionamento com os moradores. “Depende do comando. Quando era preciso fazer alguma reclamação de violações, uns iam apurar. Com outros era difícil até de fazer o registro”, conta Diniz.

Coronel Montenegro: Declaração polêmicaarquivo pessoal

O deputado Marcelo Freixo (Psol) acredita que a opinião do coronel demonstra o despreparo do Exército para a atuação na segurança pública. “Ao menos, ele é honesto. É uma opinião que tem que ser debatida, mesmo discordando bastante. Isso só afirma o quanto o Exército não pode exercer o papel de polícia. Não é a sua função constitucional. Eles olham para qualquer conflito para eliminar o inimigo. Isso já custou muito caro nos 21 anos de ditadura”, afirma.

ONGs veem 'nostalgia da ditadura'

Para Atila Roque, diretor da ONG Anistia Internacional, o coronel expressa uma certa “nostalgia da ditadura”. “O que a gente precisa é de um choque de direitos e de cidadania. Enquanto as pessoas não desfrutam isso, ninguém pode se dizer plenamente cidadão. A fala dele vai contra isso. É assustador ouvir de um alto oficial de Forças Armadas que a liberdade necessária para atuar teria que ser ‘pelo menos similar à de um bandido’. É se colocar no mesmo patamar do crime”, aponta Roque.

A diretora da ONG Justiça Global, Sandra Carvalho, conta que a organização chegou a documentar denúncias de abuso ocorridas na época da ocupação do Exército no Alemão. “Verificamos muitas violações que estão expressas na fala dele, como a entrada nas casas de forma ilegal. E mais: pessoas baleadas, espancamentos, pessoas mantidas em cárcere privado”, conta Sandra. Procurada, a Secretaria de Segurança não quis se manifestar.

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