Rio - A guerra entre tráfico e milícia no Morro do Jordão, no Tanque, em Jacarepaguá, ganhou perigosos contornos imobiliários nos últimos dias. O conflagrado território teria sido vendido pelos milicianos para os traficantes do Comando Vermelho (CV). O valor da transação: R$ 3 milhões. A denúncia foi feita por moradores e circula em redes sociais. “Isso está na internet e estamos investigando. Temos vários procedimentos contra os criminosos do Jordão”, informou a delegada titular da 41ª DP (Tanque), Márcia Julião, que não entrou em detalhes para não prejudicar o trabalho policial.
“Quando soube da venda da favela pelos milicianos, alertei minha família. Já houve relatos de negociações entre traficantes e milicianos na Ilha do Governador. Mas, a negociação do Jordão é um caso muito mais grave”, compara o sociólogo e ex-oficial do Bope, Paulo Storani, morador de Jacarepaguá. “Esses paramilitares são profissionais de segurança, em geral investigados e expulsos, e podem, com isso, criar uma nova forma de negócio. Tomar comunidades e vendê-las. Passar o ponto”, alertou Storani.
A troca de poder no Jordão também chegou ao conhecimento do 18º BPM (Jacarepaguá). O tenente-coronel Rogério Figueiredo, comandante da unidade, não acredita que o morro tenha sido negociado entre traficantes e milicianos, mas mandou investigar. “Acionamos o setor de inteligência para apurar”, disse o oficial.
Desespero
A disputa pelo controle da favela do Jordão se arrasta há quase um ano, levando desespero aos moradores. Muitos foram expulsos pelo tráfico, acusados de colaborar com milicianos. Os paramilitares que controlavam o local teriam desistido da luta após pedirem ajuda à Liga da Justiça, a maior milícia do Rio, com reforço de homens e armas. A Liga, porém, também está dividida entre as ordens de dois chefões presos Ricardo da Cruz, o Batman, e Tôni Ângelo Souza de Aguiar, o Erótico.
A disputa entre eles é apontada pelas investigações da Divisão de Homicídios (DH) como motivo por uma série de assassinatos. O último deles, ocorrido na quinta-feira passada, foi o do PM Carlos Eduardo Conceição Dias, o Eduardinho, de 32 anos. Ele seria o elo entre os paramilitares do Jordão e a Liga da Justiça.
Eduardinho era ex-genro Batman e já respondera inquérito junto com Tôni Ângelo. A DH investiga as ligações do cabo PM, que levou três tiros na cabeça na Praia da Reserva, Recreio dos Bandeirantes, com o grupo paramilitar e se ele negociava o reforço de homens e armas para os milicianos do Jordão. Eduardinho ostentava luxo em redes sociais e estava, no local do crime, com uma BMW avaliada em R$ 75 mil.
Eduardinho — que estava na PM há sete anos e teve o inquérito por envolvimento com a milícia arquivado por falta de provas — aparece em foto postada em redes sociais com um anel de ouro com o rosto do personagem Batman. Em 2014, joia semelhante foi encontrada com o ex-PM Marcos José de Lima Gomes, o Gão, apontado então como o chefe solto da Liga da Justiça. O delegado titular da DH, Rivaldo Barbosa, comentou que o anel seria uma espécie de marca dos chefes da milícia. “Ao que parece, só integrantes da alta cúpula da milícia usam este anel.”
Bairros sufocados pela guerra entre criminosos
A disputa entre traficantes e milicianos atormenta os moradores de Jacarepaguá desde que a milícia conquistou áreas do Comando Vermelho na região há cerca de dez anos. Desde então, os moradores vivem no meio do fogo cruzado. Em novembro passado, na Vila Sapê, em Curicica, traficantes chegaram a tomar algumas ruas, picharam muros com as iniciais da facção, ameaçaram moradores e montaram barricadas. Os milicianos, comandados pelo ex-policial militar Roberto Ramos dos Santos, o Betinho, expulsaram os invasores, oriundos da Cidade de Deus.
Na ocasião, pelo menos três pessoas foram assassinadas a tiros. Com a prisão de Betinho, feita pela Delegacia de Repressão às Ações do Crime Organizado (Draco) na quinta-feira passada, os moradores temem que uma nova guerra comece.
Atualmente, a favela está sob as ordens de Sergio Luiz da Silva Júnior, o Da Russa, que, com cinco condenações por produção e tráfico de drogas, comanda ataques a outras favelas dominadas por facções rivais ou controladas por milícias como aconteceu recentemente no Morro do Jordão. Segundo as investigações, o próximo alvo do CV seria a favela da Chacrinha, na Praça Seca.
Outro território histórico do Comando Vermelho (CV) em Jacarepaguá é a Cidade de Deus. A estratégia dos traficantes mudou com a implantação da Unidade de Polícia Pacificadora há seis anos. Eles passaram a circular sem ostentar armas pesadas e transportando pequenas quantidades de entorpecentes, segundo inquéritos instaurados na 32ª DP (Taquara).
Em nota, a Coordenadoria de Polícia Pacificadora informou que o comando da UPP Cidade de Deus trabalha diariamente na repressão às ações do tráfico na região, em conjunto com as investigações da Polícia Civil.