Cariocas dizem como as palavras de Moisés podem melhorar a cidade
Sucesso de Os Dez Mandamentos inspira morador do Rio a refletir sobre como a mensagem do profeta pode contribuir para uma cidade maravilhosa
Por felipe.martins, felipe.martins
Rio - O sucesso de proporções bíblicas de ‘Os Dez Mandamentos’, folhetim da Record que vem batendo a Globo seguidamente no Ibope, prova que a história milenar tem grande apelo nos dias atuais. Mas a contemporaneidade não se limita à saga de Moisés, que do alto do Monte Sinai recebeu de Deus as regras talhadas em duas tábuas de pedra. Os dizeres que o povo de Israel deveria observar para permanecer unido e devoto do divino não podiam ser mais atuais.
A reportagem do DIA ouviu teólogos e cidadãos comuns sobre como as palavras do profeta podem fazer do Rio uma cidade maravilhosa.
1. AMAR A PAZ SOBRE TODAS AS COISAS
O primeiro mandamento diz que os homens deveriam amar a Deus acima de tudo. Para os cariocas do século XXI, o amor a Deus pode ser uma forma de construir a paz e fazer evoluir a humanidade, a maior das criações divinas. Presbítero da Igreja Bola de Neve, Jorge Leal, lista até o caos no trânsito como falta de amor a Deus. “Ele é amor. Se os motoristas pensassem em agir conforme ensina a Bíblia, não teríamos um tráfego tão hostil, onde prevalece o individualismo. Nas escolas, os professores seriam mais valorizados. O amor é algo que exala e atinge outras pessoas, seja nas comunidades carentes ou nos condomínios de luxo. Este ensinamento, se fosse levado ao pé da letra, também iria unir mais, com trocas e gentilezas de toda sociedade”, sugere o religioso.
2. NÃO USAR O NOME DE DEUS EM VÃO
Guerras religiosas e preconceito utilizam argumentos supostamente inspirados em passagens bíblicas. Alguns episódios ocorridos na cidade, como o apedrejamento de uma criança umbandista, servem de base para a funcionária pública Vera Beatriz Dorneles, de 69 anos, expressar sua indignação. A idosa reflete que o tema deve ser levado mais a sério. “Usam nome de Deus para perseguir refugiados ou pessoas de outras religiões ou de diferentes escolhas. Envolvem até criança nas crueldades. Não entendem que o Divino só deveria ser trazido para o discurso se fosse para promover coisas boas, para prática do bem e da fraternidade. Deus quer a bondade, e nós todos também”, ressaltou Vera Beatriz.
Publicidade
3. TER TRABALHO TODOS OS DIAS
No Velho Testamento, Deus diz que os homens deveriam guardar o domingo para o descanso e a reflexão. No Rio moderno e em crise econômico, os cariocas devem se preocupar mais com o trabalho do que com o lazer. O temor de perder dias de faturamento atormenta a cabeleireira Ida Sanabria, de 53 anos. Ela cuida de madeixas durante seis dias de semana para equilibrar as contas no fim de mês. Quando o assunto é descansar, sonha com um fim de semana inteiro. “Trabalho até aos sábados. Nem na segunda-feira, dia comum de folga na minha profissão, deixo de trabalhar, com medo de perder o rendimento. Aí fica só domingo disponível, mas com uma série de tarefas acumuladas. Resultado: Não dá tempo de nada”, diz.
Publicidade
4. HONRAR PAI, MÃE, PADRASTOS, MADRASRAS, COMPANHEIRAS, CIDADÃOS Nos tempos de Moisés, as crianças aprendiam a honrar pai e mãe. No mundo contemporâneo, a família mudou, se ampliou, ganhou novos personagens, como a madrasta, o padrasto, e casamentos não convencionais. A necessidade do respeito também deveria se ampliar.<MC1>Antônio Carlos Almeida, homossexual assumido, sonha com um Rio em que ele, o companheiro e o filho sejam enxergados com respeito. “Somos uma família como todas as outras”, diz o engenheiro. A manicure Josinete Batista Oliveira, de 37 anos, também quer um Rio mais respeitoso quando está na rua sozinha com a filha. “Nem nos ônibus nos respeitam”, lamenta a manicure com a filha Ana Beatriz, de dois anos, nos braços.
5. NÃO MATAR NEM FERIR
Publicidade
A violência urbana é o problema mais grave do Rio de Janeiro. Só em maio de 2015 foram registrados 344 assassinatos no Estado do Rio de Janeiro. O número de assaltos chegou a 1.232. É uma tragédia diária, reclama o artista de rua Alesson Rayne.
Aos 19 anos, o jovem, que trabalha como estátua humana em ruas de Madureira, um dos bairros mais violentos da Zona Norte, reclama dos crimes diários que testemunha. Fora do personagem, ele diz que a cidade poderia sem bem melhor sem criminalidade nem corrupção. “É essencial diminuir a violência e a corrupção. A cidade poderia ser um lugar melhor de se viver, entretanto, esbarra-se nestes dois problemas”, lamentou Alesson.
Publicidade
6. NÃO ASSEDIAR
Pode ser a versão moderna do velho mandamento de não pecar contra a castidade. Essa é a opinião da recepcionista Ana Lucia Vargas, de 39 anos. Segundo ela, uma versão 2015 do Antigo Testamento deveria incorporar um capítulo de respeito às mulheres, em casa e em lugares públicos. Para ela, deveria haver uma condenação mais firme em relação ao assédio sexual e à erotização precoce.
Publicidade
“O respeito tem que partir dos maiores de idade, que lançam abordagens, cantadas a adolescentes, principalmente meninas. Homens têm que ter postura, se a menina é bonita ou não, está mais à vontade ou passou pela quinta vez na frente deles: Seja lá a desculpa, tem que se conter sim. Muitos são até crianças, de fato”, alerta.
7. NÃO FURTAR
Publicidade
Trabalhar honestamente em dupla jornada — de sol a sol, em uma feira ao ar livre, no Méier, e no Atelier — faz a artesã Andrea Almeida, de 44 anos, lembrar do mandamento criado há mais de três mil anos e até hoje não cumprido na política e nas ruas do Rio. “Essa norma para não roubar é perfeita para políticos. Mas também para muitos ladrões que moram aqui”, lamenta Andrea. Só em maio de 2015, o Rio de Janeiro registrou mais de cinco mil roubos a transeuntes. “Não tem muita diferença entre o roubo do político e do bandido comum. <MC></MC>Estou cansada de ser obrigada a votar, pois quando não acerto, fico arrependida. É tanta falcatrua que penso o quanto o dinheiro poderia melhorar a qualidade de vida do povo, com hospitais e escolas funcionando muito bem”, diz.
8. NÃO LEVANTAR FALSOS TESTEMUNHOS (NEM DE QUALQUER OUTRO MODO A FALTAR À VERDADE OU DIFAMAR O PRÓXIMO)
Publicidade
Sócio do escritório Gomes e Mello Frota Advogados, Leandro Mello Frota, de 33 anos, insere a experiência profissional no mercado carioca para contextualizar o mandamento referente às calúnias, injúrias, dentre outros. “São crimes, que levam a até dois anos de prisão. Todavia, injustiças assim podem ter consequências sérias, também fora do âmbito judicial. Em dias em que há pessoas ávidas para fazer justiça com as próprias mãos, deve-se tomar muito cuidado. A internet então é mais rápida até do que a intenção de alguém corrigir a divulgação do fato errado. E pode ser tarde diante de uma sociedade que já promoveu agressões e linchamentos”, advertiu.
9. NÃO AGREDIR A MULHER
Publicidade
No tempo de Moisés, o mandamento orientava os homens a “não cobiçar a mulher do próximo.” Ontem, relacionado ao tema ‘mulher’, vários entrevistados listaram a redução da violência contra elas como uma condição para a vida no Rio melhorar. É a opinião, por exemplo, da aposentada Ruth Alves de Araújo, de 79 anos. Chocada com os casos de mulheres espancadas, ela deduz que a violência é uma falta de amor. “Fico horrorizada com casos de agressões às mulheres. É um absurdo. Muitas acabam morrendo vítimas da crueldade”, espanta-se Ruth. Para a idosa, estes atos são covardias causadas por ausência de sentimentos bons. “Falta amor ao próximo. Deveriam amar aos outros como a si mesmo, mas o mundo está muito errado”, critica a aposentada.
10. NÃO COBIÇARÁS NADA DO PRÓXIMO
Publicidade
Dita terra da especulação imobiliária e um dos municípios de custo mais alto do país, a cidade maravilhosa também acumula moradores que apertam os cintos, várias vezes, para fechar as contas a cada mês. Recém-casada, a assistente social Aline Gomes, de 32 anos, acha que o mandamento cairia bem aos atuais gastos. “Juros abusivos são uma condição de cobiçar o que é do próximo, assim como aumento exorbitante dos imóveis. Está difícil viver, com tanta gente querendo faturar em cima do nosso salário, em contas que possuem valores surreais. fora que tudo só aumenta”, relatou Aline, que vive na região central da cidade.