Raul VellosoReprodução

Quase todo mundo acredita que a obediência ao chamado teto dos gastos, regra que limita o crescimento do gasto federal total pela inflação decorrida, é fundamental no momento atual. Com isso se conteria o crescimento dos gastos públicos e, portanto, se extirparia o mal pela raiz – mal esse que seria representado pelo resultante crescimento da razão entre a dívida pública e o PIB, e por sua suposta consequência mais maléfica, a inflação elevada.

Pois bem, o espaço é pequeno para explicar tudo, mas nem o crescimento da razão entre a dívida pública e um bom substituto para o PIB do ano é necessariamente ruim, nem a inflação se deve necessariamente ao crescimento da dívida (a não ser que já existisse uma razão forte para tê-la, como, por exemplo, quando a economia está super aquecida ou sob um choque de preço externo).

O pior é que o principal motivo pelo qual o teto já nasceu morto é bem mais simples, e em torno dele não deveria haver qualquer polêmica (mas ninguém quer saber disso). Liga-se a duas coisas: primeiro, que o peso dos “gastos obrigatórios” no total gasto pela União já era muito alto quando o teto foi lançado (2016, para valer a partir de 2017), de forma tal que, em pouco tempo, os residuais gastos discricionários – únicos a serem na prática ajustados pela exigência do teto – ficariam simplesmente zerados. Como o item de maior peso nos discricionários é o investimento, cabe perguntar, primeiro, se o País pode viver sem executar qualquer investimento público em infraestrutura.

Por outro lado, por que não ajustar os gastos obrigatórios, gastos esses previstos para acontecer por alguma lei ou pela própria Constituição? A resposta simples é: porque é muito difícil. A Carta de 1988 deu prioridade ao gasto público em assistência social, previdência e servidor público, os três misturando-se entre si. Daí, quando se comparam os anos de 1987 e 2018, tendo o biênio 2017-18 já sob os efeitos do teto, a “grande folha de pagamento” tinha passado de 26% para 41% do total. Ou seja, essa ficou sendo a parte efetivamente prioritária do orçamento, cujo ajuste tem se tornado cada vez mais difícil. Tanto assim que os gastos obrigatórios passaram de 70% em 1987 a 93% em 2018.
Por exclusão, os gastos discricionários caíram de 30% para 7%, dentro dos quais 3% se referiam a investimentos, isto é, quase zero. Por sua vez, saúde e educação mantiveram os mesmos pesos (8 e 3%, respectivamente), e os demais gastos correntes tiveram queda de 34% para 11%.

Para encerrar, adicione-se a informação de que, do final dos anos 80 a 2018, os investimentos de todos os entes públicos em infraestrutura caíram mais de sete vezes quando medidos em % do PIB, reduzindo-se de 5,1% para 0,7%. Enquanto isso o segmento privado oscilava, no mesmo período, ao redor da média de 1,1% do PIB, em que pese toda a ênfase conferida a esse segmento nos últimos anos. Daí o PIB só crescer a 0,2% a.a. em média nos últimos 20 anos. Já o Governo Biden, com visão mais avançada que a nossa, acaba de aprovar pacote de investimento público de US$ 1,3 trilhão.
Raul Velloso é consultor econômico