João Batista Damasceno, colunista do DIADivulgação

O conhecimento da identidade de um povo ou de um grupo social está ligado à memória. As ocorrências que a compõem tanto podem ser documentadas quanto narradas pelos que a viveram ou sobre ela ouviram. A identidade de um povo, capaz de lhe caracterizar como nação, decorre da sua história. Mas fatos são ocorrências concretas no mundo natural e sua existência se esvai com o próprio acontecimento, restando apenas as narrativas a serem encontradas pelo pesquisador.
O trabalho do pesquisador consiste em tentar reconstituir historicamente os fatos. Tal como um juiz que não julga os fatos, porque não os vivenciou, mas apenas as narrativas sobre ele, o pesquisador reconstitui ocorrências, a partir de vestígios, para conhecimento de terceiros. A história é um meio de preservação da memória e é fundamental para a compreensão da nossa identidade. Não se constrói uma nação sem memória, identidade e história.
Nação é um conjunto de pessoas unidas pela mesma história, características culturais, tradições, língua, costumes, dentre outros fatores capazes que lhes dar identidade e pelos quais os indivíduos pertencentes a um grupo se identificam e se sentem partes de um todo. Diversamente, pátria indica a terra natal ou adotiva de uma pessoa que a ela se liga por vínculos afetivos e valores. Nem sempre os patriotas se identificam com o povo e às vezes até o maldiz.
Neste ano de 2022 comemoramos o centenário de importantes acontecimentos, dentre os quais, o nascimento do ex-governador Leonel Brizola, nacionalista e popular, do antropólogo Darcy Ribeiro, da Semana de Arte Moderna, do Levante do Forte de Copacabana e da fundação do Partido Comunista (PCB). Comemoramos também o bicentenário da data oficial de Independência do Brasil.
A Semana de Arte Moderna ocorreu em São Paulo, entre 13 e 17 de fevereiro, no Teatro Municipal da cidade. Embora muitas das questões debatidas na Semana já estivessem no seio da sociedade, seu mérito foi o de reunir num mesmo lugar e ao mesmo tempo o que pulsava na sociedade. Foi um marco na nossa história. Cada dia da semana foi reservado para uma atividade cultural: pintura, escultura, poesia, literatura e música. O evento marcou o início do Modernismo no Brasil e tornou-se referência cultural do século XX. Washington Luis, que era um político que tinha cultura e sabia o seu valor, apoiou e patrocinou a Semana de 22.
O Partido Comunista (PCB) foi fundado no dia 25 de março, na cidade de Niterói, por nove delegados, representando 50 membros. É um marco na organização do mundo do trabalho em seu conflito inconciliável com o mundo do capital. O poeta Ferreira Gullar em poema de 1982 escreveu: “...quem contar a história de nosso povo e seus heróis tem que falar dele. Ou estará mentindo”.
Em 5 de julho, jovens militares idealistas irromperam uma rebelião, a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana. Deles sobreviveram apenas Siqueira Campos e Eduardo Gomes. Este foi ministro da Aeronáutica e concorreu à Presidência da República duas vezes e dá nome ao Parque do Flamengo. Aquele, falecido às vésperas da Revolução de 1930, dá nome a rua em Copacabana. Compõem a nossa história nacional e local.
Em 26 de outubro nasceu o sociólogo, antropólogo, escritor e educador Darcy Ribeiro. Darcy dedicou a sua vida aos indígenas e à educação no Brasil. Em 1959 foi um dos subscritores do manifesto dos educadores por uma lei nacional de educação. Em 1961, no Governo João Goulart, do qual foi Chefe da Casa Civil e Ministro da Educação, foi editada a primeira lei a fixar ‘Diretrizes e Bases para a Educação Nacional’ no Brasil.
Nos governos Brizola no Rio de Janeiro, de 1984 a 1987 e 1991 a 1994, Darcy impulsionou a área da educação e promoveu o mais extraordinário projeto educacional do Brasil, a construção dos CIEPS, onde crianças podiam estudar, praticar esporte, se alimentar, receber cuidados médicos e odontológicos e se socializarem para a vida no convívio com outrascrianças.
O ano de 1922 foi emblemático. Algumas das ocorrências foram listadas acima. Sequer tratei do que se fez no Rio de Janeiro para a comemoração do centenário da Independência, dentre o que a demolição do Morro do Castelo e o aterro para a construção da Urca. Igualmente não tratei do primeiro evento cujo centenário se comemora neste ano, o nascimento do ex-governador Leonel Brizola, em 22 de janeiro de 1922. Fica para artigo futuro.
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política (UFF), professor adjunto da UERJ e desembargador do TJ/RJ membro do colegiado de coordenação regional da Associação Juízes para a Democracia/AJD-RIO.