Mário Brum é professor de Teoria e Ensino de História da UERJ, Mestre e Doutor em História pela UFF.Divulgação

Precisamos romper com esse clichê de culpar a 'ocupação de encostas'. Vivemos num país tropical, com relevo montanhoso em grande parte e com chuvas torrenciais ocasionais. Devemos, de uma vez por todas, direcionar esforços para adaptar cidades e moradias que sejam capazes de lidar com clima e relevo brasileiros. Fora isso, é uma discussão ridícula que nos faz não sair do lugar.
Para tomar o caso do Rio: imaginemos que todas as favelas do Rio foram removidas. Todos os morros sem ninguém morando. Acaso Gávea, Leme, Tijuca, Jardim Botânico e etc estariam a salvos de qualquer desbarrancamento? Será que nunca uma chuva torrencial vai derrubar um morro? Basta procurar na internet as chuvas de 2008 em Santa Catarina, quando morros inteiros em áreas rurais vieram abaixo, por puro efeito da natureza de erosão mais intempéries.
Torna-se mais urgente criar e investir em mecanismos de alerta em casos de tempestades, cada vez mais frequentes e fortes pelas mudanças climáticas, e a longo prazo precisamos repensar as cidades brasileiras e as moradias.
Los Angeles, na Califórnia, tem sistemas de canais que passam anos vazios (esses canais aparecem em qualquer filme de Hollywood com perseguição de carros que tenha a cidade como cenário). Mas eles estão lá para escoar a água das ocasionais chuvas torrenciais que ocorrem em montanhas a quilômetros de Los Angeles.
Os lindos chalés de países europeus, em formato triangular, são feitos assim para evitar acúmulo de neve em seus telhados. Ou seja: nos dois casos o ambiente é levado em conta. Se é mais fácil pensar que isso é coisa de país rico, basta ver que em muitos países do Sudeste Asiático com chuvas torrenciais por longos períodos do ano, as chamadas monções, a palafita é largamente utilizada. A engenharia brasileira precisa criar meios de lidar com tempestades, desde os materiais adequados até as grandes soluções urbanas.
A arquitetura precisa pensar em soluções habitacionais que permitam o escoamento da água, moradias que levem em conta enchentes, enfim... precisamos basicamente de três elementos: criatividade; serenidade para saber que isso é uma longa e profunda mudança; e investimento na ciência (tantas boas ideias já existem nas universidades brasileiras sem que sejam levadas em conta).
Mais do que um problema de governo A ou B, o que não os isenta de responsabilidade em vários aspectos, é um problema nosso como país que precisamos enfrentar.
Mário Brum é professor de Teoria e Ensino de História da UERJ, Mestre e Doutor em História pela UFF. É um dos organizadores da coletânea "Pensando as Favelas Cariocas" (Pallas/PUC 2021), coordena o projeto de extensão História e Memórias da Luta pela terra e moradia (UERJ) e é pesquisador associado ao INCT/Proprietas, ao Imam/UFRJ e ao Leddes/UERJ.