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Mayra Moriconi Diretora jurídica e compliance officer da AEERJ
Recentemente, a Prefeitura do Rio de Janeiro, por meio do Decreto Rio nº49.593/2021, surpreendentemente majorou em 300% a alíquota de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) para o setor da construção civil com relação aos serviços por ela contratados, passando de 1,2% para 4,8%, em um contexto de intensa crise econômico-financeira que assola o país, prejudicando demasiadamente trabalhadores e empresas.
A justificativa desse verdadeiro confisco supostamente encontra amparo no julgado do STF objeto do RE 1293453/RS (Tema 1130), que tratou da repartição de receitas tributárias e determinou que pertence aos Municípios e Estados o produto da arrecadação do IRRF, incidente sobre os valores por eles pagos em contratos de bens e serviços. Logo, ao invés de o IR ser arrecadado e posteriormente repassado aos entes federativos pela União Federal, agora, Estados e Municípios podem efetuar diretamente a retenção.
O STF, irretocavelmente em sua decisão, ressaltou que a repartição da receita do IR, de modo algum, influi na titularidade privativa da União para instituir e cobrar esse tributo. Quis com isso reafirmar que competência tributária não se confunde com arrecadação tributária. Isto é, embora, hoje, Estados e
Municípios possam arrecadar diretamente os valores provenientes do IR, não podem estipular base de cálculo, alíquota ou os casos de sua incidência. Cabe exclusivamente à União, por meio de sua própria legislação tributária, determinar tais características, sob pena de ter sua competência usurpada.
O município do Rio de Janeiro, no entanto, atropelando a legislação federal que rege o IR e os princípios da segurança jurídica, confiança legítima e do não confisco tributário - garantias de todos os contribuintes - de maneira abusiva, passou a impor que o recolhimento do IR pelas empresas da construção civil seja efetuado indiscriminadamente sob alíquota majorada em 300%, em contratos com ou sem o fornecimento de materiais. E os impactos desse cenário não têm precedentes no fôlego financeiro das organizações, na
geração de empregos e de renda do carioca, especialmente se considerarmos que os contribuintes não veem esses valores reinvestidos em serviços públicos de qualidade.
Portanto, o questionamento quanto aos limites da conduta da Prefeitura do Rio de Janeiro tem por objetivo dar efetiva concretude à proteção de todos os contribuintes, de acordo com a lei e princípios constitucionais, seja em relação ao IR ou a qualquer outro tributo.
A atuação administrativa que viola os limites da legislação não deve ser jamais tolerada, porque enfraquece a segurança e o equilíbrio de todo o ordenamento jurídico. A condescendência com situações que, hoje, aparentemente só afetam alguns contribuintes, amanhã pode vir a afetar muitos outros. Ou, como
diria o poema de Bertold Brecht, “Agora estão me levando. Mas já é tarde. Como não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo”. É preciso agir.
*Mayra Moriconi é diretora jurídica e compliance officer da AEERJ.