Quanto aos que podem ter responsabilidade no assassinato da vereadora Marielle Franco, eu não ousaria fazer como Marco Antônio e dizer ironicamente seus nomes, ainda que dissesse também serem homens honrados
João Batista Damasceno, colunista do DIA - Divulgação
João Batista Damasceno, colunista do DIADivulgação
Hoje a partir das 11h, a Universidade Livre do Leme promoverá mais uma aula do programa Filosofia na Praia. Será no Quiosque Maria Alice, na Orla de Copacabana, quase em frente à Rua Princesa Isabel. O professor Alexandre Leitão fará uma exposição intitulada “Amigos, Romanos, Patrícios: Shakespeare, opinião pública e a peça ‘Júlio César’”. Esta peça de Shakespeare é extraordinária. Após o atentado a Júlio César, Marco Antônio foi para a escadaria do Senado e fez um discurso para a plebe, revoltada com o assassinato.
Sem maldizer os assassinos, Marco Antônio explicou as razões de cada um. O povo se quietou para ouvir quem eram. E Marco Antônio depois de dizer cada nome e suas razões, concluía: “Mas, fulano é um homem honrado”. E passava ao nome seguinte, explicitando as razões e dizendo tratar-se de pessoa honrada. Assim, um por um, os assassinos foram denunciados publicamente. Ao término do discurso o povo partiu furioso em busca dos responsáveis pela morte do último governante da República Romana.
Júlio César governou num período de crise. Antes dele, Roma se agitava em razão do empobrecimento da população e da concentração das terras nas mãos da aristocracia. Dois irmãos participavam desta agitação popular, Tibério Graco e Caio Graco. Eleitos tribunos da plebe, representando os interesses dos pobres, foram assassinados. Mas, antes de morrerem aprovaram leis importantes. Dentre tais leis estão a que proibia o envio para a guerra de menores de 17 anos, a obrigação do Estado de fornecer ‘um kit militar’ para os soldados convocados, a distribuição de trigo a preço acessível para os pobres e a que mais contrariou os poderosos: a lei de reforma agrária.
Assim como no Brasil, aqueles que se apropriam de grandes quantidades de terras originariamente públicas não aceitam a ideia de que outros igualmente possam tê-las. Tal como ocorre, no Brasil, com os líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ou da Liga dos Camponeses Pobres (LCP), o destino dos dois irmãos reformadores foi o assassinato. Mas dos seus sangues surgiu Júlio César que implementou algumas reformas em benefício da população pobre, razão de sua morte.
O último recurso da política é a força. Este é um conceito da Ciência Política. Mas a violência política exercida pelo Estado é legítima quando socialmente autorizada e exercida de acordo com o Direito. Daí a legitimidade das prisões em nosso sistema, depois do trânsito em julgado. A violência política nas disputas pelo poder é histórica. A publicação pela 'Folha de S. Paulo' da conversa da irmã do ex-capitão Adriano da Nóbrega, na qual diz que houve nomeações para cargos comissionados como prêmio por aquela morte, agitou as instituições brasileiras nesta semana. O assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol), no primeiro mês da intervenção no Estado do Rio de Janeiro, com nomeação de um general para interventor, depois alçado a ministro, tem permitido muitas cogitações, dentre as quais razões políticas relativas à eleição presidencial de 2018.
Somente a apuração e a publicidade dos interesses que levaram àquele atentado poderão aquietar as especulações. Anteontem, dia 07, comemoramos o Dia do Jornalista e o aniversário da fundação da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), que deverá ter, a partir do próximo mês, a jornalista Cristina Serra em sua presidência, primeira mulher a ocupar o cargo desde 1908. Este dia foi instituído como Dia do Jornalista pela ABI, em 1931, centenário do golpe que destituiu D. Pedro I, depois do assassinato do jornalista Líbero Badaró, crítico do Imperador. O assassino se refugiou no Palácio do Ouvidor demonstrando o vínculo entre o poder político e o crime. O Padre Feijó, membro do Conselho do Estado, foi um dos responsáveis pela apuração do caso e punição dos culpados. Depois da abdicação de D. Pedro I foi ministro da Justiça e Regente. Ainda ministro foi quem recenseou as milícias e criou a Guarda Nacional.
Líbero Badaró, antes do último suspiro, exclamou que morria defendendo a liberdade. Tal como Líbero Badaró, jornalistas continuam sendo censurados, presos e assassinados no Brasil numa brutal violação à liberdade de expressão garantida na Constituição da República. A cada dia mais precisamos defende-la, seja a crítica ácida de Líbero Badaró ou a denúncia irônica de Marco Antônio. Quanto aos que podem ter responsabilidade no assassinato da vereadora Marielle Franco, eu não ousaria fazer como Marco Antônio e dizer ironicamente seus nomes, ainda que dissesse também serem homens honrados.
Por hoje deixo de lado o assunto da violência política em nossa sociedade e vou assistir à aula do Professor Alexandre Leitão cantando a música da banda Engenheiros do Havaí, ‘Somos quem podemos ser’: “Quem ocupa o trono tem culpa. Quem oculta o crime também. Quem duvida da vida tem culpa. Quem evita a dúvida também tem”.
João Batista Damasceno - Doutor em Ciência Política (UFF), professor adjunto da UERJ e desembargador do TJ/RJ membro do colegiado de coordenação regional da Associação Juízes para a Democracia/AJD-RIO.
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