Ricardo Lodi, ex-reitor da UerjDivulgação

A tentativa de instituição de novo sistema de governo no Brasil retoma às atenções dos noticiários, dessa vez sob a roupagem do semipresidencialismo. O tema vem sendo discutido desde março por um grupo de trabalho instituído pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, com intenção de alterar a Constituição Brasileira de 1988 para incluir as figuras do primeiro-ministro, indicado pelo presidente da República, e do Conselho de Ministros, eleitos indiretamente pelo Congresso, como partes cooperativas no exercício de governo. Seria reservado a esses novos cargos as atribuições de gestão de governo, enquanto ao presidente da República restaria as atribuições protocolares de chefe de Estado.

A justificativa apresentada é de que é preciso tornar mais pragmática a relação institucional traçada entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo. Aduzem seus formuladores que a combinação promovida pela Constituição Federal, do sistema de governo presidencialista com o sistema político eleitoral, é a culpada pelos efeitos negativos à ordem democrática que testemunhamos, como a ingovernabilidade do presidente da República e o loteamento da máquina pública com representantes que buscam a perpetuação de poder. A anedota construída por Lira fica completa quando percebemos que um dos integrantes que compõe o Conselho Consultivo dos trabalhos desenvolvidos é o ex-presidente interino Michel Temer.
É importante relembrar que o sistema presidencialista foi escolhido pela população brasileira, em 1993, à época da instauração de plebiscito. Ou seja, mesmo em sede de debates originários da construção constitucional, foi delegada ao povo a decisão sobre o sistema de governo brasileiro, não possuindo uma emenda constitucional a formalidade jurídica necessária para substituir a deliberação popular. Se compreendida essa vontade como cláusula pétrea implícita no corpo constitucional, a proposta sequer poderia ser objeto de discussão no Congresso Nacional.
Ademais, o governo brasileiro atual demonstra que a instabilidade política do presidente da República não é necessariamente derivada de um problema de sistema de governo, já que não faltam justificativas legais para abertura de processo de impeachment contra Bolsonaro e o Congresso se mostra inerte, mas sim da captura do poder legislativo para interesses privados.
Caso nossos representantes legislativos tivessem seguido às normas constitucionais e infraconstitucionais no processo de impeachment da ex-presidente Dilma, a violação ao Estado Democrático de Direito não teria ocorrido.

Nesse contexto, a proposta se avizinha a um pacto das elites parlamentares tradicionais, que há décadas mantêm maioria no Congresso Nacional, contra a soberania popular que escolhe o presidente da república por meio do voto direto, universal e majoritário. Se a proposta for exitosa, não mais precisarão negociar com um presidente eleito por todos os brasileiros e exercerão todo o poder diretamente, em detrimento da vontade da maioria do povo brasileiro.
Ricardo Lodi é ex-Reitor da UERJ e professor associado do Departamento de Direito do Estado da UERJ