Fernando Orotavo Neto, advogadodivulgação

Ricardo Xavier de Araújo Feio, advogado - divulgação
Ricardo Xavier de Araújo Feio, advogadodivulgação
É celebre na jurisprudência norte-americana o caso Mc CulloCh vs. Maryland, julgado pela sua Suprema Corte em 1819. Esta decisão, proveniente da pena do Chief Justice John Marshall, é considerada, até hoje, uma das mais importantes e eloquentes dos anais judiciários, porque ela é o marco da criação da teoria dos poderes implícitos - muitas vezes utilizada pelo nossa Suprema Corte para resolver questões de ordem pública e política (ADI nº 6875 e RE nº 570392, pro omnibus). De acordo com a teoria dos inherent powers, a Constituição, ao conceder uma função a determinado órgão ou instituição, também lhe confere, implicitamente, os meios que permitam o pleno e efetivo exercício de sua missão constitucional.
Ora, a missão do advogado foi consagrada no Art. 133 da Constituição da República, no rol das funções essenciais à administração da Justiça. Tão ostensivamente relevante se afigura a atividade desenvolvida pelo advogado que essa mesma norma constitucional declara ser ele “inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Isto se dá, porque os advogados são o veículo utilizado pelo cidadão para tonar concreto dois de seus direitos fundamentais: o direito ao contraditório e à ampla defesa. Inelutavelmente, o advogado é a voz do povo perante a Justiça (usada a palavra, metonimicamente, no lugar de Poder Judiciário).
São também eles os principais guardiões do princípio constitucional do devido processo legal, uma vez que cabe aos advogados assegurar que o jurisdicionado não será privado de sua liberdade ou de seus bens sem a observância de um processo legal e justo (fair trial). Como se vê, a democracia e o exercício da advocacia representam valores constitucionais que se encontram indissociavelmente vinculados, um ao outro, umbilicalmente; tal como uma mãe e seu filho, ao nascer.
É bastante conhecido o brado de Dick, o açougueiro, na peça Henrique VI, de William Shakespeare: “A primeira coisa a fazer é matar todos os advogados!”. O revolucionário tinha plena consciência de que os advogados são o principal obstáculo a ser transposto na implementação do caos e de um governo de força, onde os direitos civis e fundamentais dos cidadãos são suprimidos. Não é por motivo outro (ou melhor) que a OAB, associação civil que congrega todos os advogados, empreende serviço público (EOAB, art. 44) que tem por finalidade institucional “defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.” (EOAB, art. 44, I).
Igual compromisso assume o advogado ao prestar seu juramento, no momento em que recebe sua carteira profissional, documento que o habilita a exercer a advocacia. Atualmente, todos os advogados postulam aos órgãos do Poder Judiciário e aos Juizados Especiais no Estado do Rio de Janeiro através do Processo Judicial Eletrônico (PJe). Acontece, entretanto, que, o sistema adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro é manifestamente inoperante, ineficiente e improdutivo, ao contrário do sistema de peticionamento eletrônico utilizado pelo TRF/2ª Região (e-proc) no âmbito da mesmíssima competência jurisdicional (RJ).
Não são raras as ocasiões em que o sistema do TJRJ fica fora do ar, os advogados não conseguem acessá-lo e, por causa disso, os prazos processuais são rotineiramente suspensos, o que torna o processo judicial mais lento do que já costuma ser, por sua própria natureza. Os próprios magistrados sofrem com essa situação, que afeta sobremaneira a produtividade deles. Sem acesso a um sistema eficiente e operante, no entanto, quem mais padece é o cidadão, destinatário final da entrega de uma prestação jurisdicional que, pelo menos no papel (e em tese), deveria ser entregue de forma célere, como estabelece o princípio constitucional da razoável duração do processo (CR, Art. 5º, LXXVIII).
Assim, não se pode vacilar na certeza inabalável de que cabe ao Poder Judiciário fluminense, mediante especial e urgente interferência do CNJ, envidar os ajustes necessários para tornar o aludido PJe operativo e eficiente; quem sabe adotando e implementando o mesmo sistema operacional eletrônico, de natureza processual, já utilizado com sucesso pelo TRF/2ª Região (e-proc), porque a verdade, nua e crua, é que, sem que se coloque à disposição dos advogados os meios que permitam o exercício efetivo de sua função constitucional (poderes implícitos), melhor será erguer uma estátua da Deusa Themis no frontispício do TJRJ, onde ela, além da espada, da balança e da venda nos olhos, esteja a pousar os seus pés, significativamente, numa tartaruga; à semelhança de como é retratada em Paris, à soleira do Palais de Justice.
Lento, cidadão, não é o seu advogado; mas o sistema processual eletrônico adotado pelo TJRJ, que torna inoperantes e ineficazes os processos judiciais que, hoje, se desenvolvem na ambiência do Poder Judiciário fluminense. Em se chegando até aqui, e já resistindo à tentação de citar Rui, é de se concluir que quando a mecânica operacional do processo judicial se encontra solapada, em virtude dos constantes exemplos de ineficiência e inoperância do PJe, a democracia está igualmente ameaçada. Em nome do cidadão, e pela democracia ameaçada, a advocacia pede socorro...
 Fernando Orotavo Neto e Ricardo Xavier de Araújo Feio são advogados.