Arte de Paulo Márcio para artigo de Raul Velloso Arte: Paulo Márcio

Para muitos um lance de rara esperteza política, o governo e seus sócios no Congresso parecem ter aproveitado o ambiente regado pela disparada dos preços internacionais do petróleo para aprovar, possivelmente na próxima semana, um conjunto de medidas de defesa de grupos frágeis da sociedade afetados pelo tema, algo que, de qualquer forma, pode ser interpretado como uma tentativa de arrebanhar, já na chegada ao dia das eleições, um número bem maior de eleitores para os principais candidatos que serão escolhidos em menos de três meses para dirigir o País, notadamente o presidente da república, hoje bastante distanciado do seu principal competidor.
É fato que os atuais dirigentes não poderiam simplesmente fazer pouco caso das mudanças e deixar de se preparar adequadamente para enfrentá-las, seja pelo canal do consumo, seja pelo da produção, pois, pelo que se viu até agora, algo de permanente e complicado poderá estar vindo, e, assim, exigirá um ajuste interno nada trivial, principalmente em países como o nosso.
Em adição a isso, o que tem de ser feito é realmente compensar os segmentos mais frágeis da sociedade local, pois, muitas vezes, como na situação emergencial que ora atravessamos, as mudanças necessárias são muito custosas, e excessivamente penosas para serem absorvidas por vários deles. Por muito tempo, a dona-de-casa pobre não vai conseguir comprar a mesma quantidade de gás com que antes ela conseguia alimentar a sua família, se não dermos uma ajuda para ela fazer isso.
Em fase final de aprovação, a “Pec Kamikaze” abre uma relevante brecha, pela criação de um “estado de emergência” ou “de exceção”, no enfrentamento da recente disparada dos preços externos de combustíveis, para que o governo federal possa turbinar ou criar novos programas sociais, furando o teto de gastos supostamente sem maiores problemas (no caso, em algo ao redor de R$ 41,2 bilhões), exatamente para compensar os mais frágeis nesse processo, especialmente se os principais fenômenos subjacentes, como a guerra Rússia-Ucrânia, tiverem duração acima do que se esperava.
Só que isso não impede que se se imaginem movimentos indevidos de lideranças bem posicionadas no espectro político meramente em busca de aumentar seus contingentes de eleitores para vencer as eleições que vêm por aí, em troca de algum tipo de transferência de recursos camuflados em programas supostamente de alta taxa de retorno social. Nesse sentido, são perfeitamente válidas as preocupações que têm surgido com essa possibilidade na tramitação da “Pec Kamikaze”, tanto no Senado, como, mais recentemente, na Câmara Federal.
Para concluir, penso que, ainda que haja uma motivação meramente eleitoreira para aprovar a “Pec Kamikase”, é preferível aprová-la como está e errar ao assim proceder, a deixar os segmentos mais frágeis da sociedade sem o apoio financeiro que lhes permitiria conviver de forma menos penosa com o novo quadro de preços dos combustíveis.