Paulo Baía é sociólogo, cientista político e professorDivulgação

O dia 11 de agosto deste ano foi marcado por vigorosa ação em defesa do Estado Democrático de Direito no Brasil. Foram atos em todo o país, dos mais diversos, visíveis, grandes e numerosos a pequenas e até solitárias manifestações em vias públicas, como assisti na Av. Atlântica, em Copacabana, no Rio. As redes sociais foram inundadas de postagens saudando a Carta aos Brasileiros e Brasileiras. Mais um dia, na rotina de uma democracia, de defesa da própria democracia. O louvor ao Estado Democrático de Direito é liturgia laica de civismo e republicanismo, ao saudar o seu restabelecimento com a promulgação da Constituição de 1988.
No dia 11, a todo instante, o Estado Democrático de Direito foi defendido dos desmandos de instituições, humilhações de ações judiciais descabidas e ilegítimas, afrontas de totalitários, que sempre existem em uma sociedade complexa e moderna, mas com traços e persistências tradicionais e corporativas, como a brasileira. O importante é que as instituições sejam robustas e resilientes, como as universidades públicas ao longo de 200 anos de Brasil.
São relativamente comuns, em um regime democrático, ameaças totalitárias, vejam a França, Itália e EUA do tempo presente, onde o individualismo autoritário tentou se impor sobre a soberania do voto popular. Por isso, acontecimentos como a leitura da carta é uma epifania cívica republicana. É importante a existência de instituições que não se desvirtuem de suas naturezas democráticas. Instituições que não sejam tomadas por ímpetos ditatoriais e gritos de reformismo para o arcaico mundo das unicidades do poder individual e absoluto de um sobre todos. Instituições que sejam efetivamente democráticas, pois essa é a base fundamental para um Estado Democrático de Direito.
Vivemos desde o início de 2013 várias ações que sacodem as estruturas do Estado Democrático de Direito no Brasil. Costumo dizer que uma democracia tem que ser barulhenta, tem que ser conflituosa, tem que ter disputas de posições, projetos de poder e de ideias de presente e futuro. Sem isso uma democracia seria um cemitério silencioso. O alarido democrático é necessário para que, através do barulho das múltiplas falas, se consigam entendimentos, acordos, pactos de convivência, negociações. Não existe democracia com pensamento único.
Só existe democracia com alternância do poder com base no voto popular, que é o que assegura, via poderes Executivo e Legislativo, os referendos das indicações para as cortes superiores do Judiciário votadas pelo Senado. É nos parlamentos e nas cortes superiores que os mecanismos necessários de pesos e contrapesos, de accountability, asseguram a autonomia dos Três Poderes.
Atos de interação colaborativa, vivemos com a leitura da carta de 11 de agosto, num "papelucho", como diria o velho, bom e saudoso Leonel Brizola, relembrando a carta em outro "papelucho" de 11 de agosto de 1977, leitura de revigoramento do Estado Democrático de Direito, da sua potência, do seu dom germinador de um tempo presente prenhe de esperanças de vida plena no agora e no amanhã, do futuro a ser forjado. O 11 de agosto de 2022 também pode ser chamado de dia da Defesa da Vida.
Uma democracia não é um estado totalitário, a democracia está sempre em risco, ela está em teste todo dia, ela é um processo inacabado e em permanente construção. Em uma democracia, nem todos são democratas, existem aqueles que alimentam sentimentos, sonhos, devaneios e atos individuais autoritários. Para estes, os gritos em defesa da liberdade, da defesa do Estado Democrático de Direito, é uma alerta: não se aventurem a agir e tentar qualquer forma de autoritarismo.
Paulo Baía é sociólogo, cientista político, técnico em estatística e professor da UFRJ