Paulo Velasco é coordenador do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da UERJ (PPGRI-UERJ)divulgação
Dentre os temas mais sensíveis na relação entre Washington e Beijing está o status de Taiwan, província chinesa com anseios independentistas recorrentes, reconhecida como Estado soberano por pouco mais de dez países no mundo. Os Estados Unidos desde 1979 pautam-se pelo compromisso “dois sistemas, mas uma só China”, reconhecendo que o território insular forma parte do Estado chinês, embora goze de ampla autonomia na seara política (com parlamento e governo próprios) e econômica (o território tem seu próprio controle aduaneiro e integra como membro a Organização Mundial de Comércio).
Apesar disso, o governo norte-americano tem sido enfático em reiterar ao longo dos distintos governos, algo repetido pelo presidente Joe Biden, que não se furtaria em defender a ilha no caso de uma agressão militar chinesa. Trata-se de um esforço estadunidense em traçar uma linha vermelha nos anseios chineses de assegurar, quiça até mesmo pela força, a efetiva reunificação com Taiwan, no mais tardar até meados deste século. Se existe um tema no qual a China não aceita nenhum tipo de provocação, esse é justamente o status de Taiwan como parte integrante e indivisível de uma só China.
Daí a celeuma causada pela recente visita à ilha de Nancy Pelosi, presidente da Câmara de Representantes dos Estados Unidos, e mais alta autoridade norte-americana a visitar o território nos últimos 25 anos. Mesmo sem o apoio do presidente Biden, que era explicitamente contrário à imprudente inclusão de Taiwan no périplo asiático da influente parlamentar de seu partido Democrata, o relacionamento bilateral entre China e Estados Unidos viu-se amplamente impactado, colocando em risco o frágil equilíbrio existente.
A envergadura e alcance dos exercícios chineses em resposta à vista de Pelosi confirmam a atenção chinesa às questões geopolíticas do seu entorno, como também se vê no Mar do Sul da China periodicamente, bem como à sua integridade territorial, algo também nítido na pressão recorrente sobre Hong Kong. Em telefonema recente, Xi Jinping alertou o presidente Biden que "quem brinca com fogo, pode se queimar", em referência ao status de Taiwan.
Por enquanto, nos cálculos estratégicos chineses não se contempla uma ação militar contra a ilha e não se deseja uma confrontação militar direta com os Estados Unidos. Sabe-se, contudo, que esse cálculo pode e deve sofrer alterações com a progressiva redução da diferença para os norte-americanos em termos de capacidade bélica. Em pouco tempo, ações imprudentes e temerárias como a de Pelosi poderão trazer consequências devastadoras para todo o planeta.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.