Talíria Petrone é deputada federal Psol-RJDivulgação

O Dia Nacional da Consciência deste ano foi muito diferente dos últimos quatro anos. Finalmente, tem sido possível respirar. Mais de 60 milhões de pessoas elegeram o presidente Lula. Uma vitória de diversos setores que não suportam mais viver estigmatizados, violentados, sufocados pelo atual governo. Também do movimento negro e de cada pessoa pobre e negra brasileira. É preciso celebrar a possibilidade de reconstruir o país porque têm sido tempos muito duros.
Foi no corpo negro que a covid chegou com mais força. É no corpo negro que a fome se evidencia - dos 33 milhões de famintos, 70% são negros. O braço armado do Estado encontra quase sempre o corpo que tem fome: 87% dos mortos pela polícia no Rio são negros. O anúncio de um novo tempo é uma urgência - para população negra é sobre viver ou morrer.
E esse tempo foi gestado antes mesmo da vitória presidencial. Apesar de um cenário difícil no Legislativo, bancadas negras e antirracistas terão força no próximo período. Fui reeleita com quase 200 mil votos, a terceira mais votada do estado, ao lado de outras irmãs negras que ocuparão a Câmara Federal e as assembleias Brasil afora. O impacto disso para os negros brasileiros é a possibilidade de ir além. Afinal, precisamos bem mais que celebrar nossas vitórias eleitorais e o Dia da Consciência Negra: temos a responsabilidade de construir efetivamente outra forma de existência negra no Brasil. De concluir abolição da escravidão, que perdurou por quase quatro séculos.
O racismo é base da formação da nossa sociedade e nunca teve tanto espaço na estrutura do Estado como nesses quatro anos. Os ataques vieram inclusive das instituições que deveriam se dedicar ao combate ao racismo e à preservação da memória e da cultura da população da diáspora africana, como a Fundação Cultural Palmares. Anos sem trégua por parte do Palácio do Planalto nos fazem ter pressa.
Derrotar o bolsonarismo é um passo para enfrentarmos o racismo, mas não é suficiente. Acompanhamos atentas a composição do governo de transição: a perspectiva atirracista do novo governo deve ultrapassar as fronteiras do excelente grupo técnico de igualdade racial. As demandas da população negra estão no orçamento público, na política econômica, na Saúde, na Educação, no planejamento das cidades, em todos os espaços e pautas. Se o racismo estrutura o Brasil, cada área precisa ser vista pela lente antirracista.
O anúncio de um novo tempo precisa ser traduzido em efetiva construção de outra realidade para a população negra. Não faremos isso sem investimentos públicos que exigem derrubar o teto de gastos - o povo negro e pobre demanda renda, emprego e serviços públicos de qualidade; sem uma reforma tributária que taxe os 1% mais ricos - a elite branca e bilionária brasileira; sem Educação antirracista e políticas de reparação; sem retomar a Fundação Palmares.
Sem uma discussão franca sobre a necessidade de outra política de drogas e segurança, que parta da noção de que uso problemático de drogas é questão de saúde pública, não de polícia. Há muito a se fazer concretamente.
Por cada corpo negro que tombou - Marielles, Luizas, Mahins, por cada criança negra assassinada: Agatha, Marcus Vinicius, João Pedro; por maternidades interrompidas como a de Kethlen, mulher negra e grávida, assassinada pelo Estado; pelas mães negras na fila dos ossos: façamos nascer um Brasil novo. Que seja antitrracista, ou novo não será.
Talíria Petrone é deputada federal pelo PSOL-RJ