Visão geral Fábrica de Combustível Nuclear - INB ResendeDivulgação

Após a denúncia de racismo e transfobia dentro da unidade de Resende da Indústrias Nucleares do Brasil (INB) vir à tona, a empresa informou que a gerente de Comunicação será afastada do cargo durante a investigação interna. A Polícia Civil e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) também apuram. Ela teria se recusado a aceitar a contratação de um candidato aprovado em concurso público por ele ser negro e transgênero.

Em um áudio obtido pelo jornal O Dia, a gerente conversa com um outro funcionário da estatal sobre o caso. “Um monte de babaca, um monte de politicamente correto, vai pra p..., eles. Na hora que vieram me dar a notícia, ‘primeiro transgênero da INB’. Eu falei ‘c..., me f...’. Não falei isso ali na hora, mas estava todo mundo vibrando. Vai pra p.... Vai pra tua área então, c... Eu que tenho que ficar entubando essas p...? Eu, hein. Eu já te falei. E, por fim, deve ser petista. Deve, não, com certeza é petista. Vem de Lula lá, vai levar é porrada. Não vai falar de Lula lá perto de mim não.”, afirmou. Ouça o áudio abaixo:

O caso da denúncia aconteceu no dia 13 de setembro desse ano. A gerente questionou uma funcionária do setor de Recursos Humanos (RH) sobre a convocação do novo Analista de Comunicação dentre os aprovados no concurso público. Ela foi informada de que o candidato, que é um homens trans, já havia sido convocado na lista de aprovados de pretos e pardos, conforme norma vigente da política de cotas do concurso realizado em 2018. Ela teria se manifestado "usando palavras duras e desrespeitosas para referir-se ao candidato", como mostra a denúncia. Ela teria dito que não aceitaria ninguém que: "além de preto, fosse viado" e que não tinha mérito para assumir a vaga. Em um outro momento, ela teria falado a seguinte frase na frente de outros funcionários: "Essa p****, além de preto, é viado. Ainda deve ser petista, aposto".

Para a advogada Ludimila Poirier, mestre em Ciências Jurídico-Forenses pela Universidade de Coimbra, em Portugal, o caso pode ser configurado como crime de racismo conforme a Lei nº 7.716/1989. "No caso em questão, quando são associadas palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra da vítima é cometido o crime de injúria racial, com pena de reclusão de um a três anos e multa. Mas impedir que um candidato apto a assumir o cargo, seja preterido por causa de seu sexo, cor da pele ou suposta afiliação política, para que o candidato seguinte assuma o cargo, configura-se claramente como o crime de racismo, o que é inafiançável, além da injúria conforme o áudio que foi difundido. Além disto, é preciso ter em conta que em 2019, o Supremo Tribunal Federal decidiu permitir a criminalização da homofobia e da transfobia, já que a Corte considerou acertadamente que os atos preconceituosos contra homossexuais e transexuais devem ser enquadrados no crime de racismo", explica.

Nesta quinta-feira (29), depois da repercussão do caso, a INB informou que, após os fatos terem sido inicialmente analisados pela Comissão de Ética da empresa, agora estão sendo tomadas outras providências, incluindo-se o afastamento temporário da empregada do cargo. Antes, a estatal havia dito que não concordava com nenhum ato de discriminação. Que já estava conduzindo a devida apuração dos fatos pelos órgãos competentes internos. Ainda reforçou que todos os processos de admissão de concursados estavam ocorrendo normalmente, de acordo com a classificação do concurso e o previsto no respectivo edital. Inclusive, o candidato discriminado deve ser chamado na próxima semana.

Além do afastamento, a servidora pública pode perder o cargo e responder por improbidade administrativa. "Isso porque, teoricamente, considera-se uma violação aos princípios da administração pública e da República Federativa do Brasil, uma vez que seria uma conduta incompatível com a moralidade administrativa no trato para com terceiros. O servidor público que pratica o crime de racismo pode ser condenado à pena de reclusão de dois a cinco anos e sofrer a perda de seu cargo ou função. Há também as sanções advindas do enquadramento no Estatuto dos Servidores Públicos e na Lei de Improbidade Administrativa, que vão desde a advertência e suspensão, até a cassação de aposentadoria", afirma a advogada Ludimila Poirier.

O jornal O Dia entrou em contato novamente com a denunciada para comentar sobre o afastamento e o áudio citado na matéria, mas ela preferiu manter a mesma posição divulgada anteriormente. "Já foram prestados esclarecimentos aos órgãos competentes internos da empresa e aguardarei que seja finalizada a apuração total dos fatos para realizar qualquer tipo de manifestação."