Rio - A cúpula do Comando Vermelho presa no Complexo Penitenciário de Bangu, na Zona Oeste, fez uma festa dentro da cadeia assim que foi informada pelo aplicativo Whatsapp do resgate de Nicolas Labre Pereira de Jesus, o Fat Family, na madrugada do último dia 19, de dentro do Hospital Municipal Souza Aguiar.
A informação foi confirmada pelo juiz da Vara de Execuções Penais, Eduardo Oberg. “Foi em Bangu 3, no dia da soltura do preso. Vou requerer que a polícia apure essa festinha”, afirmou.
Há informações de que o tio de Fat Family, Edson Ferreira Firmino de Jesus, o Zaca, foi aplaudido pelos detentos. A polícia apura se ele concedeu o aval para o resgate. Zaca, que chegou a coordenar o tráfico no Morro Santo Amaro, na Glória, é condenado por homicídio e tráfico de drogas. Além dele, outros 10 traficantes da facção serão transferidos nesta terça-feira para presídios federais distintos, em outros estados. Na listagem estão Isaias do Borel e Léo da Kelson.
Na ação dos traficantes no Souza Aguiar, hospital de referência olímpica, o vigilante da SuperVia, Ronaldo de Souza foi baleado e morreu. Além dele, o PM Fábio Ferreira e o técnico de enfermagem Júlio Santos foram baleados. Os dois seguem internados em estado grave.
Segundo a Delegacia de Homicídios da Capital (DH), os criminosos usaram, além de fuzis e pistolas, três simulacros de pistolas, deixados para trás. Imagens de câmeras da unidade mostraram que cinco criminosos com toucas ninja renderam uma recepcionista e foram até o sexto andar, onde estava Fat Family. Outros seis ficaram na entrada da unidade.
Quatro policiais militares que faziam a custódia do preso se esconderam ao perceber os traficantes com fuzis. Sem resistência, os traficantes usaram um alicate para soltar a algema da maca. A perícia analisa as impressões digitais da ferramenta.
Na saída, já no pátio, o PM Fábio Ferreira reagiu à ação dos bandidos ao chegar à unidade para socorrer o amigo que faleceu. No total, 38 tiros foram disparados. A Polícia Militar fez operações em diversas comunidades do Estado para combater o tráfico e buscar o criminoso foragido.
‘Não dá para ficar sem você’, diz a namorada, grávida de cinco meses
Familiares e amigos se despediram nesta segunda-feira, por volta das 14h, no cemitério Nossa Senhora do Belém, em Duque de Caxias, de Ronaldo Luiz Marriel da Silva, de 35 anos, vigilante da SuperVia morto no ataque de traficantes ao Hospital Souza Aguiar, no Centro. “Não dá para ficar sem você, amor! Por favor, volta pra mim”, escreveu no Facebook a namorada de Ronaldo, grávida de cinco meses.
Segundo familiares, Ronaldo tem outra filha, de 13 anos, e teria conseguido a guarda da adolescente, fruto do primeiro casamento, há pouco tempo. Na rede social, a namorada disse que estava recebendo atenção da família e informou não ter “condições de falar com ninguém”. “Me perdoe. Agradeço as orações e o carinho”, postou. Em outra mensagem, fez outra declaração desesperada. “Tem como se sentir de coração partido, incompleta, atordoada, perdida tudo ao mesmo tempo? Alguém por favor me diga que isso é um terrível engano e que o meu amor está bem?”.
Segundo um primo de Ronaldo, a namorada soube da morte pela internet. “Ela chegou a ligar para o celular dele e um homem atendeu dizendo que ele havia sido ferido no braço. Logo depois, viu a notícia na internet e se desesperou.” O rapaz disse ainda que a mãe de Ronaldo desmaiou ao saber da morte e está à base de calmantes. O primo da vítima contou que um tiro atravessou o pulmão e o coração de Ronaldo. Ele e um amigo, o PM Fábio Ferreira da Silva, procuraram atendimento no Souza Aguiar após sofrer um ferimento leve ao apartar uma briga em boate da Lapa. Quando os dois entravam no hospital encontraram o bando que resgatou Fat Family fugindo e houve troca de tiros.
‘Um verdadeiro turismo com o ferido pela cidade’
O secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, destacou a importância de se dar um atendimento digno aos presos feridos. O secretário solicitou ao governador em exercício, Francisco Dornelles, o funcionamento do Hospital no Complexo Penitenciário de Bangu. “Se não tiver condições de ele funcionar, que veja a possibilidade de colocar um hospital de campanha, para que a gente não fique fazendo um verdadeiro turismo com o ferido pela cidade”, disse.
A transferência de Fat Family do hospital foi pedida pelos médicos. Family controla o tráfico no Morro Santo Amaro, ocupado pela Força Nacional desde 2013. O contrato para a ocupação foi prorrogado por mais 90 dias dia 15. Moradores se queixam que agentes não ficam na área todos os dias. O DIA esteve no local ontem, por duas vezes, e não viu agentes.
Em Bangu, agentes falam sobre Wi-Fi e hambúrgueres
Informações trocadas entre grupos de agentes penitenciários mostram que há regalias nas galerias do Comando Vermelho (CV), no Complexo de Bangu. Entre as mordomias estão rede wi-fi de internet em galerias no Bangu 3, distribuição de brindes eletrônicos e eletrodomésticos no Dia das Mães — que seriam roubados de uma carga no Rio e que estava sem nota fiscal —, além de munição de escopeta.
Entre outras regalias, uma chamou a atenção de um grupo de agentes. Segundo eles, um funcionário de uma cantina teria entrado dia 16, em Bangu 5, com dez hambúrgueres, com direito a batata frita e refrigerante para vender para detentos.
A Vara de Execuções Penais (VEP) do Tribunal de Justiça do Rio promete determinar que o caso seja investigado.
Médicos e enfermeiros sob ameaças de criminosos
Após a repercussão do caso nesta segunda-feira, entidades de defesa dos profissionais da saúde ressaltaram que a categoria continua exercendo suas funções sob ameaças e agressões, principalmente em áreas dominadas por traficantes.
Em 2013, O DIA denunciou, com base em levantamentos do Sindicato dos Médicos (Sinmed) e do Conselho Regional de Enfermagem (Coren-RJ), que pelo menos dez médicos e 20 enfermeiros tinham sido assassinados por causa da profissão em duas décadas, a maioria por vingança de bandidos diante da recusa de privilêgios no atendimento.
“A situação vem piorando. Outros três médicos morreram nos últimos três anos, em circunstâncias violentas, possivelmente por vingança também”, lamentou o presidente do Sindicato dos Médicos (SinMed), Jorge Darze, que ontem pediu audiências à Secretaria de Segurança e ao Ministério Público.
Pedro de Jesus, do Movimento de Apoio à Enfermagem, disse que os mais de 300 mil enfermeiros do estado correm riscos diários em boa parte dos postos de saúde e hospitais por falta de segurança. “São reféns do medo”, completou.
Com reportagem do estagiário Caio Sartori