Por gabriela.mattos
Moradora da Lapa%2C onde trabalha%2C Camila está orgulhosa com o ‘posto’Márcio Mercante / Agência O Dia

Rio - Camila Barros, de 26 anos, é transexual e prostituta. Na Lapa, onde trabalha, atrai olhares masculinos — e até insultos — ao caminhar pelas ruas. “Futebol amanhã, João”, gritaram certa vez. “Essa aí é do Paraguai”, provocaram em outra ocasião. Camila, nascida Jair Freire Barros, veio de Natal (RN) para o Rio em 2011, mas somente agora, em 2016, terá a primeira oportunidade de exercer um trabalho que não seja a prostituição, ainda que sem remuneração.

Uma entre os 50 mil voluntários dos Jogos, Camila será líder de um grupo que vai atuar do Forte de Copacabana ao Pontal, no Recreio, atendendo espectadores das competições. E poderá exibir, sobre as próteses que hoje preenchem os seios, o crachá com seu nome social.

“Quando eu morava em Natal, a Olimpíada era um sonho impossível”, comenta Camila, que gritou e chorou de felicidade quando foi selecionada para atuar nos Jogos. Apaixonada por esportes, jogava vôlei na cidade em que cresceu, e chegou a competir pelo time de futsal do colégio até os 15 anos.

Com a oportunidade de trabalhar na Olimpíada, Camila tem tido a chance de mostrar um lado pouco exposto das transexuais. “Nós só aparecemos em noticiário policial”, reclama, antes de mencionar o caso de um grupo de travestis que tentou assaltar uma equipe de TV australiana em Copacabana, semana passada. Reportagens como esta, diz ela, ajudam a mostrar que, entre as transexuais, existe gente de boa e de má índole.

Ela ainda não conheceu outra transexual escalada para trabalhar nos Jogos. O Comitê Rio 2016 também não soube informar. Contudo, Camila conta que tem sido bem aceita. Além do nome social no crachá, algo atendido sem problemas pela organização dos Jogos, Camila destaca a boa recepção por parte dos colegas de voluntariado. Participou de um evento-teste no Engenhão, onde vai trabalhar nas Paralimpíadas, e garante, sem modéstia: “Todo mundo adorou trabalhar comigo lá.”

Apaixonada por esportes

O futebol de salão como hobby teve de ser deixado para trás a partir dos 20 anos, a fim de preservar as próteses, que poderiam ser danificadas caso ela caísse no chão. “Eu tinha um grande futuro nisso (no esporte)”, diz ela. Para o megaevento no Rio, a voluntária conta, com euforia nos olhos, que já tem ingresso comprado para a partida de vôlei feminino entre Brasil e Coreia do Sul, dia 12.

Foi aos 18 que Camila assumiu a homossexualidade. Apesar do choque inicial, foi bem aceita pela família. Mas via no pai — morto em 2011, vítima de um câncer no pâncreas — o maior empecilho para a aceitação. Dali em diante, passou a tomar hormônios e a dar início à transformação, um desejo antigo.

Trabalhando como enfermeira em sua cidade, recebeu uma misteriosa carta de demissão, sem motivo explícito. Algo que ela atribui, obviamente, às mudanças corporais que já se tornavam proeminentes.

Dificuldades no mercado de trabalho

No Rio há cinco anos, Camila tentou várias vezes arrumar um emprego formal. “Mas nós sempre somos barradas”, lamenta. A dificuldade de se inserir no mercado esbarra na necessidade de sobrevivência — ela divide o aluguel com uma amiga, também prostituta, na Lapa. Apesar de receber “em torno de R$ 4 ou R$ 5 mil” por mês, Camila destaca negativamente a “vida curta” da profissão, além das situações constrangedoras que enfrenta.

Ela lamenta também a falta de políticas públicas que busquem inserir transexuais no mercado. E almeja, após os Jogos, uma nova oportunidade profissional. “Se pudesse escolher, seria enfermagem. Mas precisaria me acostumar a ver sangue de novo. Essa habilidade eu perdi.”

Reportagem do estagiário Caio Sartori

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