Rio - “Fazer campanha política hoje é como se a gente estivesse indo para a guerra. Está correndo o risco de ser candidato a ir para o além”, definiu um pré-candidato a vereador em Magé, na Baixada Fluminense. O seu medo é justificável. Nos últimos 10 meses, 14 pessoas com envolvimento político morreram na região. Apesar disso, as investigações apontam que somente dois desses homicídios seriam crimes políticos-partidários. As outras mortes teriam motivação passional, fútil ou os autores seriam ligados ao tráfico de drogas e à milícia.
Enquanto os crimes não são solucionados e a real motivação não é definida, o medo é crescente entre os candidatos. “A maioria dos que se arriscam a entrar para a vida pública só circula em determinadas regiões e horários, nunca à noite mais, alguns de coletes à prova de balas”, diz o presidente estadual do PSDB, deputado federal Otávio Leite.
A desistência já pode ser percebida na página do Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Desde o dia 22 de agosto, 29 moradores da Baixada que disputariam as próximas eleições renunciaram às suas candidaturas.
Nas redes sociais, agressões são relatadas. Várias postagens afirmaram que a vereadora Fatinha (SD), de Duque de Caxias, teria sido espancada no Morro dos Cabritos. O ataque teria sido ordenado por traficantes, devido ao destacado trabalho da parlamentar por mais segurança nas favelas. Ela nega. “O alvo foi minha equipe que se deparou com outra de candidato adversário. Não fui agredida”, assegura.
Na última quinta-feira, o delegado Rivaldo Barbosa, chefe da Divisão de Homicídios, relatou ao presidente do TRE algumas ameaças. Ele afirmou que na capital há cobranças de traficantes e milicanos para permitir a entrada de candidatos em algumas favelas. Pelo menos 10 registros policiais apotam essas cobranças.
Entre as mortes, a mais recente é de Alan Moreira, que atuava como cabo eleitoral. Uma foto com um suposto miliciano no seu celular selou sua morte por traficantes do Parque Esperança, em Duque de Caxias. Traficantes também teriam matado Aga Pinheiro, do DEM, mas por sua liderança comunitária contrária ao tráfico.
Milicianos seriam responsáveis por seis das 14 mortes, segundo a polícia. “O miliciano aprendeu que melhor que ser candidato é estar ao lado dele. E isso é um fator gerador de homicídios”, disse o delegado Giniton Lages, que investiga os casos.
A milícia Liga da Justiça, chefiada por Carlinhos Três Pontes, seria responsável por três mortes, incluindo o homicídio do vereador Luciano DJ (PCdoB), em 2015. Além dele, a morte de Geraldo Gerpe (PSB) teria sido partidária.
Polícia Federal na investigação
A violência no meio político na Baixada assusta até quem está acostumado com o assunto. O juiz Márlon Reis, um dos idealizadores e redatores da Lei da Ficha Limpa, que deixou a magistratura, mas atua como advogado, diz estar “atordoado com tamanha brutalidade. Todos devemos ficar de luto”, diz.
José Maria da Silva, um dos líderes do Movimento pela Ética na Política (MEP), diz que fatos continuados expõem graves falhas do estado. “Nos fazem pensar que o estado silencia, ausenta-se, e, pior, não defende a vida”, opina.
No dia 12, o deputado Otávio Leite apresentará na Câmara Federal, um projeto de lei no qual crimes contra candidatos e pré-candidatos passam a ser apurados pela Polícia Federal e julgados em instâncias superiores. “Acreditamos que a PF e Justiça Federal tenham mais recursos”, argumenta.
Em nota, o TSE afirmou que o presidente do tribunal, ministro Gilmar Mendes, já solicitou ao Ministério da Defesa a partifipação da PF nas investigações.
Miliciano seria o mandante da morte de um vereador e dois pré-candidatos
“A pose é de chefão, de um capo italiano”, definiu o delegado Giniton Lages, da Divisão de Homicídios, ao descrever a foto que sua equipe apreendeu em uma das casas de Carlos Alexandre Braga, de 31 anos, conhecido como Carlinhos Três Pontes. Na foto, ele posa com um anel e um chamativo cordão de ouro. Em ambos, há um “C” desenhado em prata. Debochado, segura um charuto enquanto notas de dinheiro estão em sua cintura.
Segundo investigadores, seu apelido aponta sua origem: ele chegou a chefiar o tráfico de drogas na comunidade Três Pontes, na Zona Oeste do Rio. Com o avanço da milícia da Liga da Justiça na região, com perfil articulador, conseguiu ganhar a confiança do novo grupo e mudou de lado: agora é um miliciano.
Em 2009, foi preso por porte ilegal de armas. Em seu julgamento, alegou ser eletricista e ter um salário de R$ 1.368,13. A juíza Alessandra Bilac considerou que Três Pontes, por não ter antecedentes criminais e ter residência fixa e emprego formal, deveria responder aos três anos de condenação em liberdade.
Em liberdade, foi recebido por Tony Ângelo, que chefiou a Liga da Justiça até 2013, quando foi preso, segundo a polícia. Em 2014, Ricardo da Cruz Teixeira, o Batman, também líder da milícia, foi preso. Ângelo optou por Três Pontes para assumir a chefia da Liga. Já Batman, escolheu Ricardo Gildes, chamado de Dentuço. “Dentuço foi morto em um duelo com Três Pontes em um terreno de terraplanagem, não se sabe onde. Seu corpo nunca foi encontrado”, afirma um dos investigadores.
Assumindo a milícia, soube expandir o território. “Da Zona Oeste já está em Nova Iguaçu e até em Maricá”, afirmou Lages. Na Baixada, explora desde a venda de gás até a extração ilegal de areia. Ele seria o mandante da execução do vereador Luciano DJ, em 2015, além dos candidatos ao cargo de vereador Júlio Reis e Primo.