Rio - O sonho de ser paraquedista, assim como o tio, se transformou em pesadelo em pouco mais de três minutos. O jovem soldado de 20 anos, que ingressou no Exército pelo serviço obrigatório e decidiu se dedicar ao máximo para fazer carreira nas Forças Armadas foi torturado por 18 cabos durante um trote no 27º Batalhão de Infantaria Paraquedista, na Vila Militar, na Zona Oeste, segundo denúncia feita ao Ministério Público Federal (MPF), hoje investigada no âmbito militar como lesão corporal.
"Chamaram ele no alojamento de cabos, no segundo andar. Fecharam o andar inteiro, as janelas e cortinas para abafar os gritos, amarraram suas mãos e pés e começaram a espancá-lo. Ele ficou apanhando com um pedaço de madeira, cordas e fios. No fim destas agressões gritaram. 'Chama o cachorro', foi quando um outro cabo, conhecido como Cachorro Louco, mordeu as duas nádegas dele. Depois o abandonaram, amarrado", disse o seu advogado, Marcelo Figueira. Ele foi ajudado por um outro soldado, que também teria sido torturado, mas que desmaiou logo no início.
Em nota, o Comando Militar do Leste do Exército disse que instaurou inquérito policial militar (IMP) sobre o caso e indiciou e expulsou até agora oito pessoas. Eles foram licenciados em 28 de fevereiro e não têm mais vínculo administrativo com a instituição. O caso foi revelado pelo jornal Extra.
No dia seguinte, a vítima foi obrigada a usar roupas de mangas compridas e calças para que ninguém visse as marcas. Temendo os cabos, ele chegou a pedir ao comandante para que fosse deslocado para outro grupo, mas não foi atendido.
Por conta das agressões, feitas no fim de maio de 2016, o jovem perdeu um dos testículos e corre risco de ficar estéril. Ele passou por cirurgias e segue fazendo acompanhamento no Hospital Central do Exército (HCE), já que o outro testículo apresenta lesões. O problema também pode pôr fim ao sonho de ser paraquedista.
"É capaz dele não poder voltar. Ele já perdeu um testículo, tem o risco de perder o segundo, já que o cinto do paraquedista fica próximo da região (saco escrotal). O Exército pode não considerá-lo apto para soltar."
O advogado espera que a exposição do caso ponha fim às práticas de trote no Exército. "Ele teve a coragem de denunciar isso. Isso é admirável. O que a gente espera é que essa pratica absurda termine dentro do Exército".
Em fevereiro deste ano, a defesa do jovem entrou como uma ação 27ª Vara Federal cobrando indenização. O soldado será ouvido na qualidade de vítima no dia 10 de maio.
Sonho de ser paraquedista
O jovem entrou pelo serviço obrigatório no Exército, mas a meta era sempre engajar — termo usado para quem faz carreira nas Forças Armadas — e ser paraquedista. "Ele tinha o sonho de seguir carreira, ser paraquedista, como o tio, se preparou para isso. Passou da fase de recruta, fez provas, era o melhor da classe, mas depois que passou aconteceu isso", disse Figueira.
De acordo com o advogado, a vítima teme represálias dos cabos envolvidos nas agressões. O soldado hoje está licenciado e tem acompanhamento psicológico, tomando inclusive remédios controlados por conta do trauma sofrido pelas agressões.
Em nota, o comando do 27.º Batalhão de Infantaria Paraquedista afirmou que adotou todas as medidas administrativas e de apoio médico e psicológico. "Após a recuperação de uma cirurgia a que foi submetido, na qual foi extraído um dos testículos, o militar passou por uma inspeção de saúde, em 31 de agosto de 2016, recebendo o parecer ‘apto’, visto que o fato não resulta em incapacidade definitiva para o serviço do Exército. Entretanto, desde 21 de outubro de 2016, o soldado foi afastado de suas atividades de trabalho para fins de tratamento psicológico", informou o Exército.
O órgão também afirmou que "rechaça veementemente a prática de maus-tratos ou de qualquer ato que viole direitos fundamentais dos militares em treinamento e cursos de formação".