Por marlos.mendes

Rio - Problemas comuns a crianças e adolescentes, como falta de atenção na escola e mau comportamento, podem acabar no consultório do psicólogo e, não raro, nas farmácias. Mas será que a solução para problemas da alma se ressolvem com substâncias químicas? "Estamos tomando remédios demais. São próteses que visam compensar o retraimento da humanidade em cada um de nós", avalia o psicanalista Miguel Camon, da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ). Calmon é um dos participantes do debate 'Medicação na infância e adolescência: abusos e necessidades', nesta terça-feira no Midrash Centro Cultural, no Leblon.

Psicanalista alerta para medicação em excesso em crianças e adolescentesDivulgação

Em entrevista por email (leia abaixo), Calmon explica que pais e médicos também vivem sob pressão. Enquanto os pais apostam nos especialistas e na medicação como forma de "modelar a identidade dos filhos", os médicos buscam eficácia no menor tempo possível para não se sentirem diminuídos em suas funções.

Crianças e adolescentes estão tomando remédios demais? Por quê?

Sim, todos estamos tomando remédios demais. São próteses que visam compensar o retraimento da humanidade em cada um de nós. Estabelecemos padrões de comportamento que nos avaliam segundo o que temos, e não o que somos. Ser e ter descrevem situações diferentes.

Se os remédios são recomendados pelos médicos, como os pais podem evitar o excesso de medicação?

Os médicos assim como os pais estão sujeitos às mesmas pressões, que se exercem mutuamente entre eles, por eficácia no menor tempo possível, sem o quê sentem-se diminuídos em suas funções. Trata-se de um diálogo difícil entre pais e médicos mas que nem por isso deveria ser desestimulado. Estamos juntos neste barco.

Quais os males psicológicos mais frequentes entre crianças e adolescentes no Brasil? A medicação é essencial no tratamento de todas?

Questões relativas ao sentimento de existir. Existimos na medida que existimos para alguém. Não somos números a serem contabilizados ou valorizados por nossas performances. Ouvi de uma professora uma afirmação que me tocou bastante. Dizia ela, “a nota de sua prova que não diz nem determina quem você é”. Somos mais do que a nota da prova. Por isso, não creio que a medicação seja essencial em todas elas.

A depressão é difícil de diagnosticar. A que sinais os pais devem ficar atentos antes de decidir levar o filho a um especialista?

Basicamente os mesmos que observamos nos animais de estimação: quando eles ficam quietos demais, isolados em um canto, sem se relacionar com os outros. Nada disso é sinal que estejam doentes, mas nos indicam que devemos nos aproximar mais um pouco para saber o quê está acontecendo. Quando se esgotam os recursos de pais e filhos empenhados neste diálogo, a possibilidade de procurar um especialista me parece um bom caminho.

Como diferenciar depressão da "angústia adolescente", que faz parte do crescimento?

Pela resistência ao diálogo. O contato com os outros sempre será motivo de surpresas, críticas e questionamentos. Todos nós resistimos ao diálogo. Mas quando esta resistência se eleva a ponto da recusar todo e qualquer contato, algo fora da curva da “angústia adolescente” pode estar acontecendo.


SERVIÇO

Bate-papo: 'Medicação na infância e adolescência: abusos e necessidades'
Quando: 2 de maio, às 20h30
Local: Midrash Centro Cultural (Rua General Venâncio Flores 184, Leblon)
Inscrições: http://www.midrash.org.br/programacao/bate-papo-medicacatildeo-na-infancia-e-adolescencia-abusos-e-necessidades/2046
Informações: 2239-1800 / 2239-2222

Também participarão da discussão o antropólogo professor do Instituto de Medicina Social da UERJ Rogério Lopes Azize, a psiquiatra da infância e adolescência e professora do curso de Psiquiatria e Psicanálise com crianças e adolescentes do IPUB Juliana Pimenta, e Monique Ribeiro de Assis, da SBPRJ, como mediadora.

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