Por nadedja.calado

Rio - Funcionando precariamente, o programa estadual Rio Sem Homofobia interrompeu seu atendimento ao público devido à falta de verbas para pagar os salários atrasados dos técnicos. O 0800 do Disque Cidadania LGBT, que orienta vítimas em caso de violência, não está mais funcionando. O serviço existe desde 2007 e foi o primeiro do tipo na América Latina. Ele costumava funcionar 24hrs por dia, mas teve seu horário reduzido e, há poucos dias, finalmente foi interrompido.

Nos Centros de Cidadania LGBT, que têm unidades no Rio, Niterói, Nova Friburgo (Região Serrana) e Duque de Caxias (Baixada Fluminense), não há mais o atendimento com técnicos do programa. Quem precisar de acompanhamento pode comparecer apenas para um primeiro atendimento - em caso de necessidade, os cidadãos serão encaminhados aos serviços da Defensoria Pública Geral do Estado. 

Rio Sem Homofobia capacitou servidores%2C promoveu a criação de leis%2C dava atendimento psicológico e jurídico a vítimas de violência e patrocinava eventos de orgulho LGBTDivulgação

O deputado estadual Carlos Minc (sem partido), presidente de uma comissão de parlamentares que acompanha o programa, considera que o Rio Sem Homofobia está 'em estado terminal'. "Dezenas de milhares de pessoas dependem desse programa, que foi definhando por causa da crise financeira do estado e por má-vontade política", disse ele, que contou também que os funcionários estão sem salário desde o final do ano passado.

Fabiano Abreu, o atual coordenador do Rio Sem Homofobia, concorda que o motivo da suspensão dos serviços seja a crise financeira estadual, mas disse que o programa não vai acabar. "Não fizemos cortes de pessoal e temos esperança da liberação de uma nova verba para nos mantermos. Tem que ficar bem claro que o programa não vai acabar. Temos essa garantia do atual secretário de Direitos Humanos e Proteção à Mulher e ao Idoso (Átila Nunes Filho) e do próprio governo estadual", afirmou. Ele disse ainda que as verbas para os pagamentos atrasados e para a manutenção do programa em 2017 estão sendo negociadas com a Secretaria da Fazenda. 

Até que a verba seja liberada, os técnicos continuam sem salário, e a população LGBT, sem atendimento. Uma ex beneficiada do programa, que preferiu não se identificar, lembrou que teve facilidade para conseguir atendimento psicológico no centro de referência. "Foi muito mais tranquilo do que relatam hoje. Mas pouco tempo depois, ouvi falar dos cortes. Por isso mesmo, meu psicólogo passou a ir poucas vezes na semana. Hoje está muito mais difícil", lamentou.

Precariedade

O projeto começou a sofrer cortes quando o pastor Everaldo Teixeira (PTN) assumiu, em 2016, a Secretaria de Assistência Social e Direitos, a quem o programa era vinculado. A situação melhorou quando, no fim do ano passado, a Assembléia Legislativa, por pressão dos movimentos sociais, liberou R$ 2 milhões para os custos e pagamento de pessoal.

O cenário é desanimador, na avaliação de Felipe Carvalho, do Grupo Diversidade Niterói. Ele disse que, na prática, o Rio Sem Homofobia acabou. “Há um ano e meio, a única coisa que fazemos é apagar incêndios burocráticos, enquanto a nossa população continua a ser violentada”. No Brasil, um assassinato motivado por homofobia ocorre a cada 25 horas, segundo o Grupo Gay da Bahia.

Programa capacitou servidores e aprovou leis

Desde 2007, o Rio sem Homofobia capacitou servidores públicos para o atendimento de vítimas de discriminação, incluindo 12 mil policiais civis e militares, além de ter realizado 90 mil atendimentos jurídicos e sociais. 

O programa também apoiou a aprovação de lei estadual, em 2015, que multa agentes públicos por discriminar lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis. Teve participação na lei o ex-superintendente da pasta que cuidava do Rio Sem Homofobia, advogado Cláudio Nascimento, que ficou dez anos no cargo. Ele saiu no fim de fevereiro por conta de novos cortes.

A medida que teve mais repercussão, no entanto, foi a que legalizou o casamento civil gay no país. Por meio do programa, o estado do Rio de Janeiro levou a questão ao Supremo Tribunal Federal, em 2011, pacificando um tema que há anos se arrastava no Poder Judiciário.

Reportagem da estagiária Nadedja Calado, com informações da Agência Brasil

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