Rio - ‘A Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) necessita de um controle mais específico do Ministério Público, tanto na parte de improbidade administrativa quanto na criminal. Além disso, a Corregedoria não possui fiscalização externa’. A fala é do promotor André Tavares Freitas, titular da Execução Penal, que afirma serem muitas as notícias de irregularidades no sistema prisional recebidas pelo Ministério Público e que são repassadas às promotorias com atribuição para apurar. No entanto, até agora, pouco ou quase nada foi feito.
Em depoimentos obtidos pelo DIA na Vara de Execuções Penais, dois servidores com cargo de chefia relatam um suposto acordo feito pessoalmente entre o próprio secretário da Seap, Erir Costa Filho, e a cúpula do Comando Vermelho; uso das cantinas do Complexo Penitenciário de Gericinó para lavagem de dinheiro do tráfico praticado dentro dos estabelecimentos penais; entrada de brindes para festas e comidas irregulares; funcionários que entram com objetos de valor e saem sem os mesmos; além de tentativa de esconder munições encontradas.
No trecho de um depoimento, realizado no dia 21 de julho de 2016, um servidor relatou que a cúpula do Comando Vermelho (CV) requisitou o controle de uma cantina na penitenciária Gabriel Ferreira Castilho, Bangu 3.
Em 2003, fuzis entraram pela cantina para uma rebelião e, desde então, o estabelecimento foi proibido no presídio. Com a negativa da direção, os traficantes pediram audiência pessoal com Erir Costa Filho, que teria atendido.
O suposto acordo, que foi negado publicamente pelo secretário, teria evitado uma rebelião. Indignado com a situação, o depoente relatou que vários servidores, inclusive ele, se retiraram da sala. Na mesma semana, presos falaram que a promessa feita iria além da cantina, para uma lavanderia e cozinha. No entanto, o suposto acordo não foi concretizado.
Duas semanas antes do depoimento, em sessão na Comissão de Segurança Pública da Alerj, o secretário chegou a chorar negando qualquer acordo com presos. Na época, ele chegou a dizer que iria processar o então juiz da Vara de Execuções Penais, Eduardo Oberg. O depoente também relatou a descoberta de 121 munições calibre 12. O registro só foi feito na delegacia após o juiz da VEP intervir no caso.
Já o depoimento do ex-coordenador de Unidades Prisionais Fábio Sobrinho confirma que funcionários da própria Seap trabalham nas cantinas, o que configura acúmulo de função. Os locais chegam a faturar R$ 6 mil por dia.
Os preços dos alimentos não são controlados, bem como a emissão de notas fiscais que serviriam de controle para o fundo penitenciário. Procurado sobre a falta de investigação das denúncias, o promotor Murilo Bustamante, da Promotoria de Tutela Coletiva, disse que, “por orientação do MP, não faria declarações sobre a existência ou fase de investigações em curso.”
Campo fértil para corrupção, 5 minutos com André Guilherme Freitas, promotor titular
Com segurança reforçada desde que foi ameaçado de morte por presos na semana passada, ao negar a transferência de unidades prisionais para ex-policiais, o promotor André Guilherme Freitas diz que o Ministério Público estadual deveria ser mais incisivo no controle da Seap e critica a falta de punição a servidores.
1. Qual a atribuição da sua promotoria e qual o trâmite para as denúncias que encontra?
A Execução Penal possui atribuição de fiscalização dos presídios. Quando há alguma irregularidade no campo criminal ou na área de improbidade administrativa, a comunicação é feita à promotoria que possui essa atribuição.
2. O que a falta de investigação eficaz acarreta?
A proximidade diária de servidores públicos com criminosos acaba sendo campo fértil para que atos de corrupção aconteçam. E quando não são apurados e punidos, a Seap vira um território sem lei.
3. Quais são as principais irregularidades que mereceriam investigação?
São inúmeras as práticas criminosas atribuídas a servidores públicos e que não recebem a necessária apuração; não se investiga, por exemplo, o desaparecimento de documentos ou a inutilização dos mesmos, quando comprovam desvios de conduta; não se investiga como entram nas unidades prisionais celulares e drogas, mesmo havendo nas mesmas scanners corporais.
4. Além do MP, algum outro órgão deveria fiscalizar a Seap?
A Corregedoria da Seap, por lei, não é subordinada à Corregedoria Geral Unificada ao contrário das polícias, por exemplo. Ou seja, não há nenhum órgão de fiscalização. Além disso, o corregedor é subordinado ao secretário.
5. Como o senhor avalia o possível encontro entre o secretário da Seap e a cúpula do Comando Vermelho?
Foi completamente inapropriada, pois o contato direto com preso não é recomendável que seja feito pelo chefe da pasta. Da mesma forma que em minha instituição não será o procurador-geral que irá falar com os presos.
6. Sobre as cantinas, quais outras irregularidades encontrou?
Presos trabalhando, o que não pode, além do pagamento de um trabalho escravo. Eles ganhavam R$ 50 por semana. Funcionários da Seap atuando como gerentes e entrada de produtos proibidos.
Erramos: Ao contrário do inicialmente afirmado, o Comando Vermelho não chegou a ganhar a cantina, a lavanderia e a cozinha. O acordo teria sido apenas uma promessa do secretário aos presos, segundo o depoente.