Rio - A Justiça concedeu medidas protetivas à Bruna Andrade, 23 anos, após a transexual ser internada à força pela mãe, que não aceitava sua identidade de gênero. A denúncia foi feita ao DIA, pela namorada da jovem, a também transgênero Bianca Cunha, 22 anos, no dia 17 de maio. "Nos autos do processo ficou claro que a mãe representa um risco. Ela criou uma situação para atrair a filha, para depois colocá-la em um tratamento compulsório", diz o juiz André Luiz Nicolitt, titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de São Gonçalo, autor da decisão.
De acordo com Bruna, sua família não aceitava seu processo de transição, que começou em janeiro do ano passado, quando as duas se mudaram para Belo Horizonte, em Minas Gerais. No entanto, após seis meses, sua mãe a procurou. "Ela me procurou fazendo mil promessas dizendo que me aceitava, mas quando eu cheguei em casa ela só me chamava no masculino e um mês depois ela me colocou na clínica. Já estava tudo planejado", afirmou a jovem ao DIA.
Bruna foi internada em uma clínica em Taubaté, no interior de São Paulo, no dia 11 de maio. "Foi um pesadelo. Eles rasparam os meus cabelos e praticavam muita agressão psicológica. Falavam coisas sobre a minha aparência e voz", contou.
De acordo com o juiz Nicolitt, a internação da transexual feriu os direitos fundamentais e o princípio de dignidade humana. "Ela sofreu uma violência que a Justiça tem o dever de pautar e, nota-se pela narrativa dos fatos ,que está ilustrado um típico caso de reprodução da cultura machista e patriarcal arraigada em nossa sociedade, de modo que deve a pessoa aceitar o sexo biológico 'escolhido por Deus'".
A jovem conta que o projeto inicial da mãe era que ela ficasse 10 meses internada. "Eu sentia muito medo, no primeiro dia eles me deram remédio, lembro exatamente do horário. Eu dormi às 17h e só acordei às 10h do dia seguinte", relembra.
Para o magistrado, não há dúvidas de que a internação da transexual foi ilegal. "As internações devem ser decisões médicas. Não é decisão da família e nem da pessoa, ou de um juiz ou promotor. Eu, como magistrado posso mandar alguém para a prisão, mas sem parecer clínico, não posso mandar a pessoa para uma clínica", explica.
Segundo Bruna, desde que saiu da clínica ela tem evitado sair à noite e permanece sempre na companhia de Bianca. "Toda ambulância que eu vejo eu fico com medo. Eles te induzem o tempo inteiro que você tem algum transtorno". Ela relata que está fazendo acompanhamento com psicólogos. "Eu estou tentando seguir em frene e cuidar dos meus traumas, que foram muitos".
Ao ser questionada se acredita que um dia a mãe aceitará sua identidade de gênero, a jovem é enfática: "Até o dia que eu saí da clínica, ela me tratava no masculino. Mas na delegacia, que foi a última vez que eu tive contato, ela me chamava no feminino, porque ela tinha medo do que poderia acontecer com ela".
A transexual revela que não pretende retirar a medida protetiva contra a mãe. "É meu seguro de vida. Eu vou manter essa medida enquanto estiver viva". De acordo com Bruna, a mãe poderia fazer algo pior contra ela. "Eu conheço a mãe que eu tenho. Ela me colocou numa clínica que eu podia andar, mas se amanhã eu retiro essa proteção, minha mãe me coloca em um lugar que eu nem vou conseguir levantar".
Procurada pela reportagem, a mãe de Bruna não quis comentar o assunto. "Eu não tenho nada a declarar. É muito triste tudo isso, eu só queria ajudá-lo".
Bruna finaliza dizendo que o fato da mãe ter de se manter à distância mínima de 500 metros a deixa segura. Ela também faz planos com a namorada para o futuro, mas que, por ora "a sensação é de alívio, alegria e felicidade".
Casal se conheceu em grupo de transexuais na Internet
A namorada de Bruna conta que elas se conheceram em um grupo de transexuais na Internet há mais de cinco anos, mas só começaram a namorar no dia 29 de março de 2014. "A gente conversava muito, mas a gente nunca tinha se aproximado dessa forma até o dia que nos conhecemos", lembra Bianca.
A jovem ressalta que sempre teve o apoio da família e começou a se transicionar bem cedo, diferente da família da namorada que não aceitava. "Quando eu conheci os familiares da Bruna, ela não se vestia como mulher ainda. A nossa mudança para BH foi uma libertação para ela".
Reportagem da estagiária Luana Benedito, com supervisão de Thiago Antunes