Por thiago.antunes

Rio - Maria, Adriana e Claudinéia são mães zelosas. Sempre cuidaram dos filhos com esmero para que crescessem com saúde e educação. Não adiantou. Samara, a filha de Maria, foi baleada na escola ontem. Vanessa, filha de Adriana, morreu com um tiro na cabeça, dentro de casa, no dia anterior.

E Claudinéia foi vítima da mesma bala que atravessou o corpo de seu filho, Arthur, o bebê que conheceu a violência urbana quando ainda estava na barriga da mãe. Parece ficção, mas as tragédias aconteceram em cinco dias no Estado do Rio.Nem na escola, nem em casa nem no útero da mãe uma criança está protegida da violência por aqui.

Samara estava no recreio em escola de Belford Roxo%2C quando um tiro atravessou seu pulmão. Agora está internada no Hospital da PosseDaniel Castelo Branco / Agência O Dia

Samara Gonçalves, 14 anos, estudante do Colégio Estadual Ricarda Leon, no bairro Parque São José, em Belford Roxo, Baixada Fluminense, foi atingida por um disparo nas costas, na hora do recreio. Ela estava no pátio da escola com outros estudantes quando uma bala perfurou o seu pulmão. Samara está internada no Hospital da Posse, em Nova Iguaçu, onde foi submetida a cirurgia. Segundo os médicos, não corre risco de morrer.

O crime aconteceu menos de 24 horas depois de a menina Vanessa dos Santos, 10 anos, morrer baleada, dentro de casa, durante confronto entre policiais e traficantes no Complexo do Lins, Zona Norte do Rio. Hoje, a família de Vanessa vai sepultar o corpo da criança, no Cemitério de Inhaúma.

Samara Gonçalves%2C 14 anos%2C foi baleada dentro de escola em Belford Roxo.Reprodução

Enquanto os frágeis corpinhos das meninas são destroçados a tiros, nos locais mais improváveis, os homens responsáveis pela segurança e futuro de todas as crianças ficam trocando acusações. Não há um antídoto contra a violência. “É inaceitável que a PM não leve em consideração a localização das escolas”, protestou o secretário municipal de Educação, Cesar Benjamin, que fez um apelo público ao governador Luiz Fernando Pezão, ao secretário de Segurança e ao comando da PM: “Interrompam operações cegas, inúteis e assassinas. A barbárie não vencerá”, disse.

Por sua vez, o porta-voz da PM rebateu as críticas: “Desde o evento que vitimou a jovem Maria Eduarda, em Acari, a Polícia Militar buscou contato com a Secretaria Municipal de Educação, não obtendo sucesso nem mesmo nas reuniões do Conselho de Segurança Municipal — com a participação do prefeito e do secretário de Ordem Pública — sediadas na prefeitura. Lamentavelmente não vemos por parte do secretário o empenho em equacionar as demandas da Educação e Segurança”.

Já o governador Luiz Fernando Pezão se limitou a dizer que “estamos fazendo tudo a nosso alcance, junto com o governo federal, para solucionar a crise do Rio”. 

Leandro Monteiro Matos mostra%2C indignado%2C cartaz feito pela ONG Rio de Paz%2C enquanto aguardava a liberação do corpo da filha VanessaEstefan Radovicz / Agência O Dia

Pai acusa a Polícia Militar, e tenente atingido diz que não fez disparos

Parentes de Vanessa passaram a manhã no IML. Leandro Monteiro de Matos, pai da menina, disse que testemunhas do fato afirmam que a criança foi morta por tiros disparados pela PM.

“Não foi bala perdida. No relato das testemunhas, atiraram da porta da casa. Foi uma execução”, acusou. Segundo ele, a família pretende processar o estado. “Vejo isso direto na TV, no jornal. Muita luta dos parentes (de vítimas da violência), e nada muda. Como todos os outros, quero justiça, que não fique impune”.

A assessoria da Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) explicou que, em depoimento prestado ao Setor de Inteligência da CPP, o subcomandante da UPP Camarista Méier, tenente Marcos Luiz, afirmou que não fez disparo na casa em que Vanessa foi atingida.

Segundo a nota, ele estava com um fuzil quando foi checar a reforma da base avançada da Boca do Mato. Segundo a polícia, ele e a equipe foram alvos de bandidos, mas não revidaram.

“O tenente foi alertado por moradora sobre uma movimentação suspeita próximo à casa. Ao tentar entrar na residência, ele foi alvejado por três disparos de pistola no colete efetuados do interior da casa. Ao se virar para proteger duas mulheres que estavam do lado de fora e se identificaram como parentes da criança, o mesmo foi atingido por outros dois tiros nas costas, também de pistola”. O tenente disse que não viu a menina ou suspeito.

O secretário estadual de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos, Átila A. Nunes, se reuniu, ontem, com parentes de Vanessa e garantiu que vai acompanhar a investigação e prestar auxílio jurídico, psicológico e social à família.

Secretário: política não é de confronto

“É preciso deixar claro que a nossa política de segurança nunca foi a do confronto”. A afirmação do secretário de Segurança Pública do Rio, Roberto Sá, contraria a realidade enfrentada por moradores de comunidades e desafia até os últimos índices de letalidade apresentados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP).

De acordo com o órgão, 480 suspeitos foram mortos em supostos confrontos com a polícia de janeiro a maio. Um aumento de 47,7%, comparado com maio de 2016. Por outro lado, a baixa na polícia também foi significativa: 14 homens foram executados naquele mês.

Segundo informou a secretaria, após a morte da menina Maria Eduarda (em março, no pátio de uma escola em Acari), o secretário determinou ao comando da PM um estudo do caso, com o objetivo de verificar as falhas na ação e aperfeiçoar normas e protocolos de operações policiais”. Isso foi há três meses e até agora nada mudou.

Bebê Arthur ainda está em estado grave

A direção do Hospital Estadual Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias, informou que o bebê Arthur permanece internado em estado grave.  Já a sua mãe, Claudinéia dos Santos Melo, encontra-se na Unidade de Pacientes Graves do Hospital Municipal Dr. Moacyr Rodrigues do Carmo.

O seu boletim médico de ontem indica que ela respira sem ajuda de aparelhos e se alimenta normalmente. Apesar disso, ela segue em observação e está sendo submetida a fisioterapia respiratória e vem apresentando melhoras em seu quadro clínico.

Com os estagiários Luana Benedito e Rafael Nascimento. Colaborou Bruna Fantti

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