Por karilayn.areias

Rio - Uma ordem do secretário de Educação de Barra Mansa, Vantoil de Souza Junior, obrigando os 19.300 alunos das 65 escolas municipais a rezarem o Pai-Nosso antes de ingressar nas salas de aula está causando polêmica. Segundo a determinação, os alunos (inclusive os do turno da noite) devem ficar em fila indiana para entoar hinos cívicos (Nacional, Bandeira, Independência) e, na sequência, a oração. O problema é que as crianças que não quiserem rezar têm que declarar por escrito e ficarão em filas separadas dos demais alunos.

Ordem de serviço da prefeitura sobre obrigação de oraçãoDivulgação

O pretexto para entoar os hinos é desenvolver o sentido de cidadania e o respeito aos símbolos pátrios. Mas, no caso da oração, a justificativa é que o Pai-Nosso "por ser universal é aceito pela maioria das manifestações religiosas". Para o deputado estadual Comte Bittencourt, da Comissão Educação da Alerj, a decisão é um desserviço à escola pública.

"Acabamos de ter um profundo e amplo debate no STF sobre a questão do ensino religioso, da sua forma mais plural, respeitando todas as religiões. Essa ordem é um absurdo. Está criando um apartheid, uma apartada. Eu nunca vi isso na minha vida", reclama o parlamentar, salientando que escola pública tem que ser laica acima de tudo, mesmo respeitando o debate da religião.

Colégio Municipal Joaquim Rodrigues Peixoto Júnior é uma das 65 unidades municipais que terão de cumprir decisão da prefeituraDivulgação

Para Ivanir dos Santos, da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, a ordem é, no mínimo, inconveniente para uma escola pública. "Não é nada contra o Pai-Nosso, mas acaba constrangendo as crianças que não sabem a oração. E o Pai-Nosso dos católicos é diferente do dos protestantes. Qual Pai-Nosso eles vão rezar?". Já o coordenador da Confederação Nacional das Associações de Pais e Alunos (Conapa), Luis Cláudio Megiorin, entoar hinos cívicos na hora da formatura é salutar.

"Não vejo como possa ferir os direitos fundamentais do cidadão. É importante resgatarmos esse sentimento cívico, mas sem impor de forma alguma", destaca. Com relação à obrigação de rezar o Pai-Nosso e a discriminação sobre quem se negar, Megiorin contesta. "Esse constrangimento é ilegal. Na escola não tem só católicos e protestantes. Pode ter um budista ali. A criança não pode ser violada com nenhum tipo de constrangimento. As crianças separadas na fila podem ser até motivo para bullying".

Iniciativa já foi frustrada

Essa não é a primeira vez que a Secretaria de Educação de Barra Mansa, no Sul Fluminense, tenta obrigar os alunos a rezarem o Pai Nosso antes de terem autorização para entrar nas salas de aula. Ano passado, uma escola do município instituiu a prática, mas uma ação do Ministério Público pôs fim à determinação.

Procurada, a prefeitura enviou uma nota explicando que uma Lei Federal obriga a execução do Hino Nacional em todos os estabelecimentos de ensino fundamental, públicos e privados. “Se o hino é obrigatório até nos eventos esportivos, porque seria um problema garantir que os alunos aprendam e pratiquem os hinos pátrios nas escolas?”, questionou a prefeitura.

Entretanto, sobre a obrigatoriedade de rezar o Pai Nosso e a intenção de separar da formatura os alunos que não queiram orar, a prefeitura não se manifestou.

STF decidiu por ensino religioso facultativo

A questão sobre ensino religioso nas escolas públicas sempre foi motivo de discussão na sociedade. Tanto que o Supremo Tribunal Federal (STF) levou sete anos debatendo o tema, até que no dia 27 de setembro, o plenário do Supremo decidiu, por 6 votos a 5, que o ensino religioso nas escolas públicas pode ter natureza confessional, quando as aulas podem seguir os ensinamentos de uma religião específica.

O julgamento ficou empatado até o último momento, sendo decidido pelo voto da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia. Ela considerou não haver na autorização conflito com a laicidade do estado, conforme preconiza a Constituição. A ação foi proposta pela Procuradoria-Geral da República em 2010.

Segundo ao órgão, que acabou derrotado, o ensino religioso só poderia ser oferecido se o conteúdo programático da disciplina consistisse na exposição “das doutrinas, práticas, histórias e dimensão social das diferentes religiões”, sem que o professor privilegiasse nenhum credo. Isso porque, invariavelmente, o ensino religioso no país sempre ia na direção da religião católica.

Pela tese vencedora no Supremo Tribunal, o ensino religioso nas escolas públicas deve ser facultativo, sendo ofertado dentro do horário normal de aula. Fica autorizada também a contratação de representantes de religiões para ministrar as aulas. O julgamento não tratou do ensino religioso em escolas particulares, que fica a critério de cada instituição.

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