Rio - Desde novembro de 2015, a Polícia Militar possui uma norma em que proíbe disparos para evitar fugas de suspeitos, estando eles a pé ou em carros. Cartazes feitos pela corporação estão colados nas paredes de todas as unidades e, periodicamente, a instrução é republicada nos boletins internos. No entanto, os frequentes avisos não foram suficientes ontem. Policiais fizeram disparos contra um carro que supostamente teria furado uma blitz na Rocinha. A turista Maria Esperanza Jimenez Ruiz, 67, que estava no veículo, morreu após ter sido atingida por um tiro no pescoço, disparado por um policial.
O titular da Delegacia de Homicídios, Fábio Cardoso, condenou o que chamou de 'assassinato'. "Uma turista que estava aqui no Rio ser atingida por um tiro, ser assassinada, é inadmissível e vamos atuar para identificar essa pessoa e colocar na cadeia para que ele responda por essa covardia", disse. Dois policiais foram presos pela Corregedoria da PM um tenente, que seria o autor do tiro que matou a turista, e um soldado, que fez um disparo para o alto, o chamado tiro de advertência, também proibido nas instruções da PM. Um terceiro militar, que não fez disparos, foi liberado.
Maria estava com o irmão, José Luiz Jiménez, e a cunhada, Rosa Margarita Martinez, também espanhóis, e agendaram um passeio em uma favela com uma empresa de turismo da Espanha. "Os turistas não sabiam que iriam para a Rocinha. Somente agendaram uma visita a uma favela e foram conduzidos pela guia para lá", disse a delegada Valéria Aragão, da Deat, que acrescentou que a empresa não alertou os turistas sobre os riscos e que poderá ser responsabilizada.
Logo após a morte, a corporação emitiu nota, dizendo que "houve uma reação por parte da guarnição" após o veículo furar a blitz, na localidade do Largo dos Boiadeiros. No início da nota, a PM lembrou que uma hora antes, dois policiais haviam sido baleados, em pontos distintos da Rocinha. Já à noite, a PM disse que "em casos como o que ocorreu nesta data, os policiais não devem efetuar disparos".
O corregedor da PM, Wanderby Braga de Medeiros, teria decidido entregar o cargo ao chefe do Estado Maior da corporação, Lúcio Flávio Baracho, ontem. O motivo teria sido a transferência da investigação sobre a morte da turista da 1ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar (DPJM) para a DH. Nos bastidores, há a informação de que ele poderia ter voltado atrás, porém aliados do oficial garantem que não. Procurada, a PM não se pronunciou. O DIA não conseguiu contato com o corregedor.
Instrução da corporação proíbe tiro para evitar fuga e determina perseguição
Em 2015, na Pavuna, um policial militar confundiu um macaco hidráulico com uma arma e atirou contra dois ocupantes de uma moto. O garupa levava a ferramenta. O disparo acertou os dois ocupantes da moto, que morreram após um choque com um muro.
Após esse crime, a corporação revisou as regras de disparos, que foram feitas em 1983. A norma número 44/2015 diz que a intenção é “transmitir uma mensagem clara, concisa e precisa para o policial militar, sobre quando ele deve atirar”. A instrução aponta que “o uso da arma de fogo por policiais deve ser excepcional e nunca exceder o estritamente necessário para alcançar o objetivo de conter um cidadão”.
No artigo 4, diz que, antes do policial realizar o disparo, ele deve “se identificar”, advertir sobre o disparo claramente” e “com tempo sufi ciente para que o aviso seja entendido”.
Já os artigos 5º e 6º discorrem sobre os tiros feitos para avisos e, em casos de fuga, como a de suspeitos que furem um bloqueio policial.
“Os disparos de advertência estão PROIBIDOS, uma vez que o disparo a esmo constitui crime”. “Os disparos para evitar fuga, estando o cidadão à pé ou em veículo, são PROIBIDOS, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos agentes de segurança pública ou terceiros”. A palavra ‘proibidos’ está escrita em maiúscula nos dois casos.
Em nota, a PM informou que, assim como outras polícias, segue o manual de abordagem. “O referido manual determina que, em casos como o que ocorreu nesta data, os policiais não devem efetuar disparos, mas sim perseguir o veículo que não obedeceu a ordem de parar e bloquear sua passagem assim que for possível. A razão pela qual o procedimento não foi cumprido é também objeto da investigação em curso”.
Repercussão em jornais estrangeiros
A morte da turista espanhola na favela da Rocinha repercutiu nos principais jornais da Europa, Estados Unidos e América Latina. O espanhol El País afirma que a vítima é natural de El Puerto de Santa María (Cádiz) e disse que o consulado espanhol no Rio de Janeiro “já havia alertado sobre o aumento da violência nas favelas da cidade”.
O El Mundo disse que “a área é perigosa, de tiroteios quase que diários e que muitos turistas ainda se arriscam em conhecer o local de perto a bordo de jipes em passeios guiados”. Ontem, foram ouvidos na DH os outros estrangeiros que estavam no carro — irmão e a cunhada da vítima, além do motorista italiano Carlo Zaninetta, que mora no Rio e prestava serviço para a locadora contratada pela agência de turismo — e a guia brasileira, Rosângela Reñones Cunha.
Em depoimento, eles disseram que não viram a blitz e só ouviram o disparo. A perícia constatou que dois tiros no veículo. O especialista em Gestão da Segurança, José Ricardo Bandeira, disse, pela posição do tiro, o objetivo deveria ser acertar o pneu do carro. “Ao efetuar o disparo o projetil provavelmente subiu. Este erro pode ser por falta de treinamento, arma sem manutenção ou desequilíbrio emocional e psicológico”
Reportagens de Adriana Cruz, Bruna Fantti, Jonathan Ferreira, Rafael Nascimento e do estagiário Gustavo Côrtes