Moradora de Duque de Caxias, Rayana Gomes da Costa arriscou a saúde do próprio filho, em 2015, quando estava grávida. A jovem, então com 23 anos, ignorou as orientações do obstetra e não tomou as vacinas necessárias para protegê-la e também ao bebê. A decisão de ignorar o médico foi tomada após receber mensagem que afirmava que as doses causariam microcefalia na criança - Marcio Mercante / Agencia O Dia
Moradora de Duque de Caxias, Rayana Gomes da Costa arriscou a saúde do próprio filho, em 2015, quando estava grávida. A jovem, então com 23 anos, ignorou as orientações do obstetra e não tomou as vacinas necessárias para protegê-la e também ao bebê. A decisão de ignorar o médico foi tomada após receber mensagem que afirmava que as doses causariam microcefalia na criançaMarcio Mercante / Agencia O Dia
Por CÁSSIO BRUNO

Rio - Quem nunca recebeu informações suspeitas em grupos no WhatsApp? Com mais de 120 milhões de usuários no Brasil, o aplicativo, comprado pelo Facebook em 2014, se transformou em terra de ninguém. O compartilhamento de fake news (notícias falsas, quase nunca checadas a veracidade) tem provocado transtornos e destruído reputações das vítimas, além de servir para aplicar golpes.

A assessora legislativa Rayana Gomes da Costa, de 25 anos, quase viveu uma tragédia dentro de casa, em 2015 por acreditar em fake news. À época, grávida de sete meses do filho Luiz Fernando, ela ignorou as orientações do obstetra e não tomou as vacinas necessárias para prevenir doenças. Segundo a mensagem recebida pelo WhatsApp, as doses poderiam causar na criança microcefalia, problema neurológico que reduz a massa cefálica e o crânio. Naquele ano, havia um surto da doença. Rayana se arrepende. "Não tomei as vacinas. Pus em risco a vida do meu filho", admitiu.

Uma das mais recentes ondas de fake news surgiu após a greve dos caminhoneiros. Mesmo com o fim da paralisação há 10 dias e o desbloqueio de estradas, textos sobre uma nova manifestação circularam no WhatsApp. Na Central de Abastecimento do Rio (Ceasa), alguns comerciantes tiveram prejuízos com o alerta falso.

Ewerton Pereira, de 40 anos, metade deles dedicado ao trabalho no local, foi um. Dono de uma loja de frutas, ele deixou a folga de domingo com a família de lado e decidiu abrir o estabelecimento. Por causa da notícia falsa de que a greve recomeçaria na última segunda-feira, dia 4, o bolso foi prejudicado, e o descanso, interrompido.

"Os boatos começaram na sexta-feira (dia 1º). Ficamos apreensivos. Sem saber se era verdade ou não, trabalhamos no domingo para reabastecer os produtos. Paguei luz e hora extra dos funcionários", revelou Pereira.

As celebridades também são alvos. Quando acordou na manhã de 29 de maio, o cantor e compositor Neguinho da Beija-Flor foi bombardeado por mensagens de fãs, amigos e familiares. Desesperados, todos queriam saber o que de fato estava acontecendo. Não demorou para o artista descobrir: a informação falsa de seu assassinato corria pelo WhatsApp. Um sobrinho de Neguinho chegou a passar mal.

O responsável pela divulgação foi identificado. Ele disse ter recebido a fake news em um grupo de amigos e, sem checar, repassou. Neguinho não procurou a polícia, mas gravou um vídeo para provar que estava vivo. Às vésperas de uma turnê por 10 países da Europa, o cantor, intérprete oficial da escola de samba de Nilópolis, teve de acalmar os contratantes dos shows para evitar uma catástrofe na carreira.

"Tudo isso é o efeito colateral da internet nos dias de hoje. Fui vítima de fake news pela segunda vez. Agora, foi mais violenta porque o morto que apareceu na foto se parecia comigo. Não desejo isso a ninguém", ressaltou Neguinho em entrevista ao DIA.

Antônio Fagundes sofreu o mesmo drama em 17 de maio. No vídeo, um homem, parecido com o ator e aparentemente bêbado, apanha de outro mais jovem, cai no chão, em um posto de gasolina. Ele e a esposa negaram se tratar de imagens do artista. "O vídeo que está circulando esta manhã envolvendo o nome de Antônio Fagundes é fake", dizia o perfil oficial de Antônio Fagundes no Instagram.

No ano passado, um comerciante, que não quis se identificar, ficou traumatizado. Ele foi espancado por moradores de uma cidade no interior do Rio. Pelo WhatsApp, espalharam a informação mentirosa de que ele era um sequestrador de crianças. A foto do carro dele viralizou no aplicativo.

"O meu carro foi destruído. Até hoje não recuperei o prejuízo. Fiquei com dívidas e hoje dependo da ajuda dos meus filhos. A minha vida acabou", desabafou o comerciante, emocionado.

A vítima conversava com uma mulher. Os dois foram cercados por dezenas de moradores, que iniciaram a sessão de agressões. Eles só não foram mortos graças à intervenção de guardas municipais no momento da confusão.

Em abril do ano passado, um golpe no WhatsApp prometia um vale-presente de R$ 500 da marca de cosméticos O Boticário. O cupom falso era, na verdade, uma armadilha para roubar dos usuários informações pessoais e deixar os celulares com vírus. Pelo menos 50 mil pessoas caíram no golpe em apenas cinco dias.

A mensagem fake dizia: "Olá, O Boticário estão (sic) dando vales-presentes gratuitamente. Eu recebi o meu. Garanta o seu antes que a oferta termine". E pedia ainda para que a vítima do golpe clicasse em um link.

O país não tem uma legislação específica para punir quem espalha mentiras nas redes sociais. Há pelo menos oito projetos de lei em tramitação no Congresso sobre o tema. No entanto, quem as divulga não está livre de ser responsabilizado civil ou criminalmente pela Justiça.

Pelo menos 8,8 milhões de pessoas foram impactadas por fake news no primeiro trimestre deste ano 96% via WhatsApp. O dado é do Relatório de Segurança Digital, divulgado em maio pela PSafe, startup brasileira que desenvolve aplicativos. A projeção foi com base no número total de usuários de smartphones no país.

"Há dois grupos que espalham as notícias falsas. O primeiro, e o mais comum, tem objetivo meramente financeiro. O segundo mira na manipulação da opinião pública, difícil de mapear", explicou Emílio Simoni, diretor do laboratório responsável pela pesquisa.

A estratégica de caluniar e difamar adversários será usada por políticos que vão disputar as próximas eleições, aponta o desembargador Nagib Slaib, do Tribunal de Justiça do Rio. Professor de Direito Constitucional e juiz eleitoral, ele admite a dificuldade de controlar a proliferação dos boatos e a identificação do autor.

"Chegou numa escala que ficou incontrolável. As pessoas têm de fazer pelo menos o básico antes de repassar: desconfiar de tudo e checar as informações", alertou o magistrado.

Ao participar de um evento sexta-feira, em São Paulo, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luiz Fux, também ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que a Justiça irá "remover imediatamente" as notícias falsas que se espalharem pelo país. "Temos que atuar preventivamente na inteligência", disse.

Como distribuir fake news não é crime, não há estatísticas na polícia de vítimas prejudicadas. Procurado pelo DIA, o WhatsApp informou não ter nenhum posicionamento oficial sobre o assunto.

Oito links maliciosos a cada segundo
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O Relatório da Segurança Digital, divulgado pela PSafe, revela que, entre janeiro e março deste ano, os brasileiros acessaram oito links maliciosos por segundo. Segundo os dados da startup que desenvolve aplicativos, o Sudeste foi o principal alvo dos criminosos para proliferação desses links, concentrando 25 milhões do total das detecções registradas durante o primeiro trimestre. Juntos, São Paulo, Rio, Minas Gerais e Espírito Santo concentraram 50% das notificações.
Após o assassinato da vereadora Marielle Franco, por exemplo, o Psol conseguiu reunir cerca de 20 mil links que continham boatos, calúnias e difamações contra a parlamentar. Os vídeos ganharam força nas redes sociais no mesmo dia do crime e com informações falsas. Entre elas, a de que a vereadora mantinha relação com o tráfico de drogas.
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