Deputados observam montanha de rejeitos despejados pela CSN em depósito operado pela Harsco - Divulgação
Deputados observam montanha de rejeitos despejados pela CSN em depósito operado pela HarscoDivulgação
Por FRANCISCO EDSON ALVES

Rio - Deputados das comissões permanentes de Meio Ambiente, de Saneamento Ambiental e de Saúde da Assembleia Legislativo do Rio de Janeiro (Alerj), decidiram instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para “obterem informações concretas” sobre a montanha de escória da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda, no Sul do estado. A medida acabou de ser anunciada agora, depois de vistoria que durou cerca de quatro horas no depósito operado pela Harsco, no bairro Brasilândia e adjacências, numa região onde residem pelo menos 15 mil moradores, a menos de 50 metros da margem do Rio Paraíba do Sul. De acordo com os deputados, as denúncias publicadas em série pelo DIA, “foram comprovadas”.

Em nota divulgada há pouco, a CSN reafirmou que o material “não é perigoso” e reiterou que doará parte da escória acumulada para recapeamento de estradas vicinais (leia a nota na íntegra mais abaixo). Os deputados também querem cópias dos contratos, supostas análises químicas que as empresas dizem ter, e processos de licenças entre CSN, Harsco e Inea. Há oito anos o Inea analisa licença definitiva de operação da Harsco.

“Saímos sem resposta alguma dos fiscais dos Instituto do Meio Ambiente (Inea) para as nossas dúvidas em relação ao grave quadro que encontramos em Volta Redonda. Os representantes das empresas (CSN e Harsco) adiantaram que só nos darão informações detalhadas, principalmente quanto à suposto controle químico do material e estudo da qualidade do lençol freático, que disseram ter, mas não apresentaram, na CPI”, afirmou o deputado Dr. Julianelli (PSB).

“Encontramos uma série de irregularidades, além das dificuldades que as empresas impuseram para a vistoria, como impedindo ambientalistas e jornalistas de acompanhar nosso trabalho. Uma delas, quanto à altura das pilhas, que alcançam, com certeza, basta verificar as fotos, mais de 40 metros, o dobro alegado pelo Inea (o recomendável seria no máximo quatro metros). A poeira incomoda muito”, afirmou Lucinha. “Realmente, pelo que constatamos, trata-se de uma tragédia anunciada. Encontramos um ´Maracanã` de problemas no depósito e só nos deram respostas evasivas”, completou o deputado Nivaldo Mulin (PR). A representante do Ministério Público Federal (MPF-VR) teria passado mal com o calor e não pôde acompanhar a vistoria por inteiro.

Conforme o O DIA publicou em séries no mês passado, com exclusividade, a pilha, que ameaça o Rio Paraíba do Sul responsável pelo abastecimento de 12 milhões de pessoas (80% da Região Metropolitana), é formada pelo subproduto da fabricação do aço, oriundo dos altos-fornos e aciarias da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Com resquícios de metais pesados, segundo especialistas, o produto é usado na indústria cimenteira.

Ambientalistas, jornalistas, políticos locais, líderes comunitários e membros de entidades de defesa do meio ambiente, como a Comissão Ambiental Sul, foram barrados por representantes da Harsco e CSN na vistoria de hoje, sob a alegação de “falta de equipamentos de segurança” para todos. Tiveram acesso ao interior do depósito, além dos fiscais do Inea, apenas os deputados Dr. Julianelli (PSB), Lucinha (PSDB), e Nivaldo Mulin (PR), integrantes das comissões, e que logo na chegada demonstraram “perplexidade com o tamanho do depósito”.

O alerta de tragédia iminente na região, onde residem pelo menos 15 mil moradores, consta na denúncia 1518/2018, aceita pelo Ministério Público Federal (MPF-VR), que abriu inquérito para apurar responsabilidades, a pedido da ONG Associação Homens do Mar da Baía de Guanabara (Ahomar). A entidade também acusa a CSN e o Inea de suposta "conivência com o problema". Além do risco de comprometer o fornecimento de água para os cariocas, o material é apontado como causa de doenças respiratórias e alérgicas por boa parte da população. Há oito anos o Inea analisa pedido de licença de operação feito pela Harsco.

“Até que enfim, estão olhando por nós. Esperamos, no mínimo, que peçam a interdição e não deixem jogar mais escória no depósito”, apelou Maurílio Menezes Alves, de 54 anos, do bairro Brasilândia. “Sofremos há duas décadas com sujeira nos quintais e problemas respiratórios, por conta do pó preto trazido pelo vento”, lamentou.

A Secretaria de Meio Ambiente de Volta Redonda não se manifestou até hoje sobre o assunto, apesar de O DIA ter questionado sobre possíveis ações de fiscalização no depósito no mês passado.

Mais pedido de ações à Justiça

Escórias, conforme especialistas, geram os gases sulfídrico e enxofre, e têm metais tóxicos, como manganês, zinco, cádmio, cromo, níquel e chumbo. O pior seria o CaO (cal virgem), resultado da reação de chuvas com hidróxido de cálcio, que contamina lençóis freáticos, elevando o pH de reservatórios subterrâneos de 7 para até 13 (acidez do cloro, por exemplo).

Na segunda-feira, o Movimento Baía Viva, fundado na década de 1990, protocolou representação junto ao Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema), órgão do Ministério Público Estadual, e aos núcleos da Procuradoria Geral da República no Rio de Janeiro e em Volta Redonda, solicitando ação judicial urgente junto às empresas. A intenção, segundo justificativa do movimento, é evitar o grave risco de suspensão do abastecimento público de dezenas de cidades no Vale do Paraíba do Sul, de municípios da Baixada Fluminense e da Capital, em função da poluição química provocada pela “descontrolada pilha de lixo químico industrial às margens do Paraíba do Sul.

Íntegra da nota da CSN

"A CSN e a Harsco Metals receberam hoje representantes do Instituto Estadual do Ambiente, do Ministério Público, e da Assembleia Legislativa para uma vistoria na área de beneficiamento de propriedade da CSN e operada pela Harsco Metals. Aos visitantes foi explicado que o material não é perigoso, conforme classificação da ABNT, e não representa qualquer risco ao meio ambiente ou a saúde. Foi ainda explicado aos visitantes o processo de beneficiamento, realizado de acordo com todas as normas ambientais pertinentes e conforme licença ambiental válida, o qual consiste em reciclagem do material em que a parte metálica é separada e volta a ser usada no processo siderúrgico.

O restante do material, estéril e incapaz de contaminar o meio ambiente, ao invés de ser descartado é processado e resulta em agregado siderúrgico, produto mundialmente utilizado na fabricação de cimento, em pavimentação, em lastro de ferrovias e como base para asfaltamento de vias de tráfego, dentre outras formas de utilização. A CSN reiterou que doará parte desse material para recuperação de estradas vicinais do Estado do Rio de Janeiro".

Inea diz que aguarda “solicitação de informações concretas” da Alerj

 

Em nota envia do ao DIA pela assessoria de imprensa da Secretaria Estadual do Ambiente (SEA) , o Inea informou que “o instituto aguarda a solicitação formal de 'informações concretas' por parte da Alerj, as quais serão informadas prontamente”. "Até o momento, o Inea não se furtou a responder qualquer pedido de informação oficial sobre o caso, por parte dos órgãos de controle. O Inea esclarece ainda que informação sobre a altura das 'pilhas' deve ser baseada em equipamentos adequados para tal. O Inea não se baseia em informações dessa natureza feitas por imagens. A despeito dessa divergência de informações, a empresa já foi notificada para reduzir o volume do material armazenado", diz a nota.

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