Rio - Produzido em homenagem aos 30 anos do movimento operário mais impactante da história brasileira, o da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda, no Sul Fluminense, o documentário “1988 – Uma Greve, Corações e Mentes” será lançado nesta sexta-feira, às 19h, no Auditório Central da Universidade Federal Fluminense (UFF), no bairro Aterrado. Dirigido pelo professor, historiador e documentarista Erasmo José da Silva, do Coletivo 9 de Novembro, com produção de Nilza Mendes Machado, o longa-metragem, de 1h40 aproximadamente, mais que manter viva a memória do assassinato dos metalúrgicos William Fernandes Leite, de 22 anos, Valmir Freitas Monteiro, 27, e Carlos Augusto Barroso, 19, pelo Exército, promete ser referência de pesquisas e estudos para a atual e novas gerações.
“Espero que esse filme, que nasce da necessidade de resgatar a história e preservar a identidade dos trabalhadores, abra, de forma acadêmica, sobretudo, novos debates, num momento em que a democracia e liberdade de expressão estão feridas e ameaçadas pelo fascismo, e seja inspiração de luta e resistência para o país”, afirma Erasmo, lembrando que até hoje as famílias dos operários executados não foram ressarcidas. “Nem moral e nem financeiramente. A União deve, no mínimo, um pedido de desculpas aos parentes de Willian, Valmir e Barroso, e ao povo de Volta Redonda”, cobra.
O historiador passou três anos à frente de pesquisas, reunindo imagens fotográficas, filmes, e depoimentos de diversos personagens e representantes de instituições e veículos de comunicação – inclusive do DIA, que ganhou seu primeiro Prêmio Esso com a cobertura da greve. A obra só contou com apoios isolados e voluntários, e parceria com a TV Universitária de Volta Redonda (TVR) e Centro Acadêmico Dom Waldyr Calheiros (CADOM), entidades ligadas à Universidade Federal Fluminense (UFF-VR), além do Centro de Memória do Sul Fluminense (Semesf-VR).
“Não obtivemos um centavo de ajuda de nenhuma central sindical, nenhum sindicato ou organização operária, sequer para os deslocamentos das nossas equipes de cinegrafistas, produtores, e pessoal de apoio”, lamenta Erasmo, ressaltando que até a trilha sonora foi feita de graça para o filme, através de músicos como Ciron Silva e Guto Souza, e Carlos Eduardo Gíglio (Cikunlókios), além da banda punk paulista 'Garotos Podres'. “A memória do principal marco da luta trabalhista do Brasil recente, que jamais pode ser esquecida, é também homenagem a ao bispo dom Waldyr Calheiros, o maior símbolo de luta que os metalúrgicos de Volta Redonda já tiveram”, acrescenta.
Ainda de acordo com Erasmo, o longa abrange fatores relacionados não só a greve no interior da Usina Presidente Vargas (UPV), mas também resgata a importância dos movimentos populares, das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), e o papel das organizações populares, essência do novo sindicalismo. “O sindicalismo renovado, combativo, de luta, nasce com Lula (o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva) no ABC Paulista, com as greves, mas se consolida, se fortalece, se cristaliza, em Volta Redonda”, afirma.
Para Nilza Machado, da TVR-UFF, o documentário tem a missão de revisitar a história e mexer com a vida dos expectadores, causando neles sentimentos de emoção, indignação, inquietação e desconforto, num momento em que muitos clamam pela volta da ditadura, mas sem entender ou saber detalhes históricos.
“Me lembro que na época da invasão da usina pelo Exército, eu era aluna do Colégio Manoel Marinho, nas imediações da siderúrgica. Nós fomos impedidas de sair pelos soldados e chorávamos muito. Até que a professora de história, Neide França, mandou que enxugássemos as lágrimas, e prestássemos atenção em tudo que estava acontecendo, porque, décadas depois, aqueles fatos estariam sendo estudados e sendo motivos de debates, como agora. A partir daquele momento, comecei a me interessar pelo ativismo”, lembra, ressaltando que nas entrevistas feitas para o filme, conheceu histórias surpreendentes. “Como a de um homem, que era soldado na época e, com o coração apertado, por ver amigos e pais de amigos operários na linha de frente da greve, pedia que eles saíssem de lá, pois não queria machucá-los”, detalha.
MEMÓRIA
Os funcionários da CSN entraram em greve no dia 7 de novembro de 1988. Na pauta de reivindicações, os operários pediam a implementação do turno de seis horas, reposição de salários usurpados por planos econômicos e reintegração dos demitidos por atuação sindical. A greve atraiu toda a comunidade de Volta Redonda, que se posicionou em favor dos trabalhadores, apoiados pela Igreja Católica, através do então bispo dom Waldyr Calheiros, que ficou conhecido como o “ bispo vermelho”, conforme apelido dado pelos militares.
No dia 9 de novembro, soldados do Exército de vários quartéis do estado, principalmente de Barra mansa, e do Batalhão de Choque da Polícia Militar do Rio de Janeiro, dispersaram uma manifestação em frente ao Escritório Central da CSN e invadiram a usina.
Na invasão, foram assassinados William Fernandes Leite, 22 anos, e Valmir Freitas Monteiro, 27 anos, com tiros de metralhadoras, e Carlos Augusto Barroso, 19, que teve o crânio esmagado. Em consequência de um forte golpe desferido por um soldado com o cabo de uma metralhadora, o cérebro de Barroso, que já estava rendido e caído na hora do crime, foi achado por colegas de trabalho, no chão do pátio da empresa, conforme o DIA revelou, através de documentos, com exclusividade, uma década depois, na matéria intitulada “O Segredo Guardado por Dez Anos”.
Mesmo após os assassinatos e várias prisões, a greve continuou até o dia 23 de novembro. Na época, os trabalhadores conquistaram todas as suas reivindicações, que hoje estão ameaçadas. A cobertura da greve de 1988 rendeu ao DIA seu primeiro Prêmio Esso da história.
No dia 1º de maio do ano seguinte, com a presença do então presidente nacional da CUT, Jair Meneguelli, foi erguido na Praça Juarez Antunes, o Memorial 9 de Novembro, em homenagem aos três operários. Mas horas depois, na madrugada do dia 2 de maio, o monumento, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, foi explodido por uma potente bomba.
De acordo com o relatório final da Comissão da Verdade de Volta Redonda, de 589 páginas, pelo menos dois bicheiros cariocas teriam fornecido explosivos para o atentado, conforme noticiou semana passada o site Tribuna Sul Fluminense. A informação da suposta participação do próprio Exército, que sempre negou envolvimento no episódio, veio à tona quando o ex-capitão Delton de Melo de Franco denunciou o caso numa entrevista publicada Jornal do Brasil, em março de 1999. Ele teria recebido a ordem para coordenar o atentado em Volta Redonda pelo então general Álvaro de Souza Pinheiro, que sempre negara “tal absurdo”. O memorial foi colocado de pé novamente, mas, a pedido de Oscar, carrega até hoje as marcas da violência da explosão.
Mais programações alusivas ao 9 de Novembro, marcadas para hoje: