Rio - Semana passada, o deputado estadual eleito Rodrigo Amorim (PSL-RJ) fez declarações interpretadas como preconceituosas por lideranças indígenas. Amorim, que ficou conhecido por destruir uma placa em homenagem a Marielle Franco em um ato de campanha, afirmou que a Aldeia Maracanã é "lixo", e defendeu que a área de 14.300 metros quadrados na Zona Norte do Rio seja utilizada com atividades que visem lucro. Ao DIA, o deputado mais bem votado do Rio disse que usará seu mandato na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) para intervir na aldeia, onde fica o antigo Museu do Índio. Já ao jornal O Globo, Amorim declarou que, "quem gosta de índio, que vá para a Bolívia, que além de ser comunista ainda é presidida por um índio". Autoridades bolivianas também reagiram com indignação às declarações.
Para Dinam Tuxá, integrante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, a fala do deputado difunde ódio e violência contra os índios. "Os povos indígenas se encontram muito fragilizados juridicamente e politicamente, porque temos uma conjuntura política totalmente anti-indígena, na qual, se você se manifesta a favor dos direitos de nossa gente, você é convidado a se retirar do Brasil", protestou.
Ele teme um retrocesso nos direitos dos povos indígenas, como a paralisação de demarcação de terras, no governo que se inicia. "É muito alarmante quando vem um deputado estadual querendo propagar e difundir ainda mais violência. As pessoas que deveriam pleitear e apaziguar a ordem aqui no Brasil fazem esta declaração que não agrega em nada", desabafou.
Conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos Indígenas (CEDIND), Reinaldo de Jesus Cunha diz que o deputado deveria, antes de se posicionar, familiarizar-se com a criação do Centro de Referência e Convivência Indígena e Universidade Indígena no terreno da Aldeia Maracanã. "A campanha eleitoral acabou. Chegou o momento de sair do palanque. Se o deputado realmente respeita a comunidade indígena, deve ter maior equilíbrio em seus argumentos e contribuindo para o restauro do Antigo Museu do Índio. Afinal, quem ganha com a ocupação ordenada do lugar é toda a sociedade, e, por conseguinte, o turista, que vai ter um novo espaço de visitação, além do fomento de empregos", declarou. Reinaldo defende um debate aberto e franco com as lideranças de movimentos indígenas, instituições parceiras e representantes do poder executivo e legislativo sobre o espaço.
Dauá Puri, 65, é um dos fundadores da Associação Indígena da Aldeia Maracanã (AIAM),onde morou por sete anos. Membro do Movimento de Ressurgência Puri, ele deixou o espaço em 2012, após compromisso firmado com o estado de que fosse criado ali um Centro de Cultura e Universidade Indígena. Segundo ele, o parlamentar não está atualizado com as informações do movimentos sociais do Rio de Janeiro. "Acredito que o parlamentar que venha a pleitear uma cadeira no Estado do Rio precisa ler e se informar sobre a situação indígena antes de dar declarações. A relação com os indígenas é primordial, porque são os primeiros habitantes desta terra. Os povos indígenas foram invisibilizados, mas hoje estão em posição de diálogo com qualquer estado de governo que se estabeleça no país. A declaração é de quem não sabe que hoje temos índios doutores, médicos, advogados e mestres", acrescentou.
O Governo do Estado informou que vai analisar a situação da Aldeia Maracanã, "inclusive a questão jurídica", para tomar uma decisão sobre o local. Já a Funai informou que não irá se manifestar sobre as declarações do parlamentar.
Autoridades bolivianas reagem
A Bolívia reagiu com indignação às declarações de Amorim (PSL). O presidente boliviano Evo Morales lamentou a fala que considerou de supremacia racista.
Lamentamos resurgimiento de ideología de supremacía racista (KKK), como réplica de xenofobia de gobierno de #EEUU. Ante intolerancia y discriminación, los pueblos indígenas promovemos respeto e integración. Tenemos los mismos derechos porque somos hij@s de la misma Madre Tierra.
— Evo Morales Ayma (@evoespueblo) 5 de janeiro de 2019
"Lamentamos o ressurgimento da ideologia de supremacia racista. Perante a intolerância e a discriminação, nós povos indígenas promovemos o respeito e a integração. Temos os mesmos direitos porque somos filhos da mesma Mãe Terra", escreveu Morales, de origem indígena, em sua conta de Twitter, sem citar o deputado.
O ex-presidente boliviano Carlos Mesa também reagiu à fala nas redes sociais: "Declaração revoltante de deputado brasileiro ofende a Bolívia e não expressa a irmandade de nossos povos. Diferenças ideológicas entre governos não justificam tal afirmação. O indígena é parte essencial de nossas identidades e nossa força como nação".
A ministra boliviana das Comunicações, Gisela López, escreveu no Twitter que o deputado brasileiro "despreza com ignorância supina nossos antepassados, os verdadeiros donos da Pátria Grande, com palavras que demonstram cegueira e pobreza espiritual".