Rosana foi torturada por quase doze horas pelo ex Davidson - Arquivo Pessoal
Rosana foi torturada por quase doze horas pelo ex DavidsonArquivo Pessoal
Por O Dia

Rio - Nas duas últimas semanas, duas moradoras da Baixada Fluminense foram submetidas a sessões de tortura por seus parceiros, que somaram 18 horas de dores físicas e psicológicas. A professora Rosana Silva, de 36 anos, sofreu agressões, xingamentos, tapas, socos e empurrões por 12 horas na casa do namorado, em 17 de fevereiro, em Duque de Caxias. A segunda, que não teve o nome divulgado, foi agredida durante seis horas pelo marido, em Nova Iguaçu, na última terça.

Casos como esses, muito semelhantes ao da empresária Elaine Caparroz, espancada por quatro horas em seu apartamento na Barra da Tijuca, no dia 16, expõem uma realidade sangrenta. Só no ano passado, 10.434 processos foram abertos no Tribunal de Justiça do Rio por violência doméstica contra a mulher: 28,58 crimes por dia. Ou um a cada 50 minutos. A quantidade quintuplicou em um ano, já que em 2017 houve 2.169 ações.

Quando começou a namorar o mecânico industrial Davidson Gomes, 32, Rosana não imaginava que ao fim da relação, de quase dois anos, estaria com o nariz quebrado, um tímpano perfurado e até cicatrizes de mordida de cachorro. "Ele pulava o muro da minha casa às duas, três horas da manhã. Isso não era vida", resumiu a professora, de Japeri. Em uma briga, o homem chegou a prender seu rottweiler na porta da residência para impedir a saída da companheira e atiçou o cão, que a mordeu na perna.

Segundo a vítima, o ápice de fúria, no último dia 17, ocorreu porque ela levou o filho de 10 meses do casal à praia. "Ele dizia que eu estava com um homem", lembra. Davidson agarrou a namorada na rua, deu-lhe um soco e a forçou a entrar na residência. Ela sentiu um estouro: o tímpano foi danificado. "Ele me deitou na cama e ali percebi que iria fazer mais alguma coisa. Quando ele via que eu estava prestes a desmaiar, parava", acrescenta.

O agressor mandou Rosana tomar banho para não sair ensanguentada. Ela dirigiu até encontrar policiais, que a levaram ao Hospital de Saracuruna, onde ficou um dia internada. Davidson foi preso em seu trabalho na semana passada.

Na quarta-feira foi a vez de Davi Pereira de Souza, 24, ser preso em Nova Iguaçu. Davi teria agredido e ameaçado a mulher por cerca de seis horas, das 14h às 20h, na terça, na casa dos dois. O motivo banal: mensagens que não lhe agradaram no celular dela. A vítima levou socos, chutes e puxões de cabelo, e teve o cabelo cortado com faca. O homem ainda usou soquete de cozinha e alicate. A mulher fugiu e passou a noite em uma mata.

A Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) de Caxias pediu ontem a prisão de quatro suspeitos de cometer violência doméstica no Carnaval. A Deam de Nova Iguaçu reúne cerca de quatro mil registros por ano.

'A impunidade perpetua a violência', diz Jandira Feghali

Jandira Feghali é deputada federal pelo PCdoB-RJ e relatora da Lei Maria da Penha - Reprodução

Como combater o feminicídio?

A violência contra a mulher tem relação direta com a ideologia de opressão, que se expressa na “superioridade masculina” e de propriedade sobre a mulher. As políticas públicas devem atuar para enfrentar as causas e para punir os agressores. A impunidade perpetua a violência. Na Lei Maria da Penha instituímos campanhas educativas, treinamentos e capacitação do magistério e de agentes de segurança. Instituímos centros de referência para mulheres, crianças e jovens que vivem em lares violentos e criamos pena alternativa para os homens serem reeducados nos valores de gênero, entre outras medidas.

O Poder Legislativo resiste a este tipo de política?

Temos conseguido aprovar porque a realidade é muito dramática. Atuamos com grande articulação suprapartidária. A Lei Maria da Penha foi aprovada por unanimidade na Câmara. A tipificação do feminicídio foi mais difícil, mas passou por ampla maioria. Há mulheres eleitas que discordam do termo feminicídio, e até mesmo do feminismo. Lamentável a esta altura.

O Poder Público faz sua parte para combater a violência doméstica?

Não. Mesmo com a Lei e mudança do Código Penal que alterou os parâmetros do Sistema de Justiça, orçamentos foram cortados em mais de R$ 120 milhões no governo Temer. Serviços foram fechados. O Ministério da Mulher acabou após o impeachment. O Judiciário não coloca recursos e não interpreta adequadamente. Estados e Municípios não cumprem sua parte. Faltam Delegacias da Mulher, Centros de Referência e Abrigos. Está na hora do cumpra-se.

'Os abrigos seriam medidas muito efetivas', diz Janaína Paschoal

Janaína Paschoal é deputada estadual eleita por São Paulo - Eduardo Carmim/Parceiro/Agência O Dia

Como combater o feminicídio?

É necessário tirar do papel medidas previstas em lei que tem natureza preventiva ou de acolhimento. A Lei Maria da Penha, por exemplo, prevê casas que recebem mulheres que querem sair de relações, muitas vezes doentias, com segurança. Os abrigos previstos na legislação seriam medidas muito efetivas, que dependem mais do Poder Executivo e menos do Legislativo.

O Poder Legislativo faz sua parte?

Não vejo omissão do Poder Legislativo nesta questão. Temos boas leis. A Lei Maria da Penha é uma delas. Eu sempre digo que quando um governante não quer fazer alguma coisa, ele faz um projeto de lei. Nossas autoridades estão presas exclusivamente à repressão, que é importante. Mas, gosto muito da linha da Justiça restaurativa ou da mediação de conflitos para tentar resgatar as famílias. Também deveríamos reduzir o estímulo ao consumo de álcool. Não vejo necessidade de novas leis.

Como estas medidas de conciliação ajudam?

O problema da violência doméstica é complexo. Não dá para botar tudo na mesma caixinha. Nem sempre a mulher quer se separar. Às vezes, ela quer parar de ser agredida, mas continuar com seu companheiro. Se a gente tiver mais medidas de conciliação, elas atenderão muito melhor algumas mulheres. Muitos homens que são dependentes químicos ficam violentos quando estão sob efeito de álcool ou drogas.

Reportagem de Adriana Cruz, Bernardo Costa, Gustavo Ribeiro, Luiz Portilho, Rafael Nascimento, Raimundo Aquino, Beatriz Perez e do estagiário Luiz Franco

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