Camilla Ximenes se mudou de bairro para a filha estudar no CPII - Gilvan de Souza / Agência O Dia
Camilla Ximenes se mudou de bairro para a filha estudar no CPIIGilvan de Souza / Agência O Dia
Por Waleska Borges
Rio - O sonho de estudar no Colégio Pedro II, uma das instituições de excelência da rede pública federal, começa a esbarrar na realidade de cortes na Educação, anunciados pelo governo Bolsonaro. Pais de alunos já se organizam para debater o impacto das restrições orçamentárias, temendo que a situação do colégio se agrave com o contingenciamento. A dona de casa Ednalva Nascimento, de 45 anos, conta que o filho, aluno do 7º ano, foi um dos que ainda não receberam o auxílio financeiro, ao contrário de 2018: "Estamos aflitos, porque não sabemos o que vai ocorrer", diz.

Até o momento, o custeio liberado para o CPII foi de R$ 20 milhões, do total de R$ 51 milhões — valor 10% menor do que no mesmo período do ano passado. A instituição tem mais de 12 mil alunos, da educação infantil ao ensino médio, em 14 campi. Apenas para a Assistência Estudantil foram liberados R$ 3,5 milhões dos R$ 8,7 milhões esperados para cobrir despesas com auxílios financeiros, tecnologias assistivas (óculos, bengalas), merenda, bolsas, viagens de alunos e uniforme escolar.
Com a atual liberação do orçamento de custeio do colégio — que não se relaciona com o contingenciamento anunciado para agosto (de 36%) —, a instituição já não conseguiu atender a todos os 3.013 solicitantes do auxílio financeiro para este ano. Até o fim do mês de maio foram atendidos 615 estudantes.
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Pais de alunos do Colégio Pedro II, durante protesto contra os cortes na Educação, na quinta-feira - Waleska Borges
Anos de contingenciamento
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De acordo com integrantes da Comissão de Mães, Pais e Responsáveis de Alunos, a instituição sofre dificuldades há pelo menos cinco anos. Eles relatam que, recentemente, precisaram comprar as medalhas dos filhos que participaram de uma olimpíada.
Em reunião, já foi pedido pelo colégio o "uso consciente" do papel higiênico; alguns campi precisam de obras e, essa semana, pais receberam do campus do Engenho Novo a informação de que não haveria almoço, porque não tiveram "o fornecimento de alguns itens fundamentais à manutenção do serviço". Na unidade do Humaitá, por problemas na coifa, é servido apenas lanche seco há um ano.
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Na quinta-feira, pais de alunos se uniram à manifestação contra cortes na Educação. Em nota, diretores dos campi disseram à comunidade escolar que a situação da instituição deve piorar com o contingenciamento de 36% na verba de custeio a partir de setembro. "A concessionária de energia não vai esperar pela liberação de verba do governo para cortar a luz dos campi, nem os outros fornecedores", alerta Melissa de Carvalho, de 41 anos, mãe de aluno.
Quanto ao valor de custeio iberado pelo governo federal, o reitor do Pedro II, Oscar Halac, diz que essa medida ocorreu em todas as instituições de ensino federais no primeiro semestre: "À medida que o orçamento for liberado, ao longo do ano, serão dados outros auxílios financeiros". Halac garante que há apenas "imbróglios administrativos" no caso da coifa e falta de repasse da prestadora para merendeiras, na situação do almoço: "Até o momento não sofremos nenhum revés. Ao longo de vários anos, a Educação vem sofrendo contingenciamento. Desde João Goulart, Jânio Quadros, esse tempo todo, a Educação sempre teve financiamento não suficiente para a manutenção de excelência de escolas", lembra o reitor.
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Despesas obrigatórias intocadas
O Ministério da Educação (MEC) afirmou que empenhou, em média, 30% do orçamento discricionário (despesas não obrigatórias) das universidades e institutos federais em 2019.
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O MEC esclarece, ainda, que o Colégio Pedro II teve um contingenciamento de 2,67% de seu orçamento total (R$ 698 milhões), que não atinge as despesas obrigatórias da instituição, como folha de pagamento. O bloqueio pode ser revisto, futuramente, pelos ministérios da Economia e Casa Civil
Disputa por vagas ociosas leva 13 mil a sorteio
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Com a sensação de que poderia ganhar um prêmio de valor incalculável, a comerciante Ana Paula Holanda, de 38 anos, esperava que a filha Ana Júlia, de oito anos, fosse uma das crianças sorteadas para as 370 vagas ociosas entre os ensinos fundamental e médio do Colégio Pedro II. Os sorteios que ocorreram entre os meses de abril e maio receberam a procura de 13.199 candidatos.
A menina, que pela segunda vez tentou entrar para instituição, não foi contemplada. O sonho de estudar no Pedro II levou à inscrição de 45.437 estudantes na última seleção regular de 2018/2019, contra 33.579 em 2017/2018. Em agosto será divulgado o edital do processo seletivo para o ano que vem. "Tenho outra filha, de 13 anos, que conseguiu ser sorteada aos seis anos. Agora, vou colocar minha filha mais nova num curso preparatório para seleção regular do 6º ano”" conta Ana Paula. 
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Já a família da vendedora Cecília Amélia, de 51 anos, teve mais sorte. A flha dela, de 10 anos, conseguiu entrar para o 5º ano, neste último sorteio: "A dinda da minha filha disse que estava realizando nela um sonho. Na verdade, toda a família".
O desejo de ter os dois filhos estudando no Pedro II levou a advogada Camilla Ximenes, de 41 anos, a se mudar de São Cristóvão para o bairro de Realengo. Ela queria que a filha cursasse a educação infantil na unidade da Zona Oeste. O filho mais velho já era aluno do colégio. Depois que a menina terminou a educação infantil, a família voltou a morar em São Cristóvão. "Apesar das dificuldades próprias do ensino público, o Colégio Pedro II consegue oferecer aos seus alunos um ensino de qualidade que vai muito além do básico. São os inúmeros projetos de pesquisa, cultura e esporte. O grande diferencial é investir na construção da cidadania consciente dos alunos", avalia Camilla.
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Fundado em 2 de dezembro de 1837, o Colégio Pedro II é uma das mais tradicionais instituições públicas de ensino básico do Brasil. Entre os alunos da instituição que se destacaram estão o ator Mário Lago e o ex-presidente Hermes da Fonseca. "Não vejo com muita alegria o sonho de estudar no Pedro II, porque todas as escolas públicas tinham que merecer da população a confiança que o colégio merece", analisa o reitor do CPII, Oscar Halac.