Por Bernardo Costa

Rio - Na Serrinha, a casa onde morava Tia Maria do Jongo permanece do jeito que ela deixou: um verdadeiro museu dentro de quatro paredes. Fotos, troféus e a máquina de costura em que fazia os próprios figurinos estão organizados como exposição. No bairro ao lado, em Oswaldo Cruz, o guarda-roupas de Dona Ivone Lara tem dezenas de vestidos. A elegância característica de Tia Maria e Dona Ivone Lara, é também uma marca de Walter Alfaiate, que deixou suas becas no Retiro dos Artistas. São relíquias de ícones da cultura popular que contam a história do jongo e do samba no país. As famílias buscam meios de preservar a memória desses ilustres artistas.

Tia Maria morreu no dia 18 de maio, aos 98 anos. Na última semana, houve uma reunião na Casa do Jongo com os jongueiros da Serrinha. Ainda em luto, cantaram e dançaram para celebrar a cultura que Tia Maria lutou para manter ativa. O registro está num vídeo feito por O DIA.    

"Ela era muito consciente em preservar todo material que contava sua história e a do Jongo. Deixou um rico acervo. A ideia é buscar recursos para transformar sua casa, na Serrinha, em um museu. Temos pressa, pois sabemos que há risco da memória se perder", diz Lazir Sinval, cantora do Jongo da Serrinha (https://www.benfeitoria.com/casadojongo). 

Lazir Sinval e Ivo Mendes dançam na Casa do Jongo, na Serrinha - Reginaldo Pimenta / Agencia O Dia

Na casa de Tia Maria, cartolinas formam painéis com recortes de jornais colados por ela. Além dos vestidos pendurados nas paredes, há cadernos com receitas culinárias, anotações de lugares que visitou, preces e versos dos mais de 300 pontos de Jongo e sambas que Tia Maria guardava na memória. "Toda a trajetória de vida dela está aqui. É um material que precisa ser tombado, para que essa história se imortalize", diz Ivo Mendes, de 74 anos, filho de Tia Maria.

Perto dali, na casa em que Dona Ivone Lara morou nos últimos 13 anos de vida, em Oswaldo Cruz, a nora Eliana Soares da Costa, mostra cartas enviadas do exterior em que a sambista contava sobre seus shows internacionais, no Japão e Europa. No quarto de Dona Ivone - que morreu em 16 de abril de 2018, aos 97 anos — uma fantasia de baiana da década de 1940, o diploma de enfermeira de 1941, fitas cassetes com gravações inéditas, fotos, troféus, medalhas e instrumentos musicais.

Nora de Dona Ivone Lara, Eliana Soares da Costa mostra o cavaquinho da sambista - Reginaldo Pimenta

Na poltrona, ao lado do armário, o cavaquinho em que compôs 'Sonho Meu', seu maior sucesso, em parceria com Délcio Carvalho. "Lembro que ela disse assim: 'Minha mãe está me mandando uma música, mas está muito longe'. Ela começou a tocar e pouco depois disse: 'Liga para o Délcio urgente! É coisa nova', lembra Eliana: "Queria criar uma fundação, mas faltam recursos. Tenho receio que o material se estrague".

As memórias de Walter Alfaiate

Os acervos deixados pelas personalidades da cultura popular trazem, além de memória das tradições do país, os traços da personalidade de cada artista. No arquivo do compositor Walter Alfaiate, que está guardado no Retiro dos Artistas, há uma peça que chama a atenção: o caderno de trajes do sambista.

Acervo do sambista Walter Alfaiate é conservado pela filha Maria Cláudia, no Retiro dos Artistas - FOTOS DE Cléber Mendes

Nele, mostra a jornalista e produtora cultural Maria Cláudia Souza, filha de Walter Alfaiate, o pai registrava a maneira que se vestiu em determinados eventos. Nas folhas do caderno, há anotações como: "11 de novembro de 2008, concurso samba de quadra. Calça cambraia, meia bege, blusão bordô e sapato marrom de fivela".

O caderno de trajes em que Walter Alfaiate anotava a forma como se vestiu em determinados eventos - Cléber Mendes/Agência O Dia

"Como ele participava de muitos eventos, acredito que essas anotações eram para que ele não repetisse a mesma roupa em intervalos curtos. Meu pai era muito preocupado com a aparência. E costumava dizer que o sambista tinha que se dar o valor, e isso começava pela forma de se vestir", conta Maria Cláudia.

Entre as anotações, há letras de músicas que permanecem inéditas. Uma delas, conta a filha do sambista, está assinada em parceria com Mário Lago. "São letras que ainda não foram gravadas, e acredito que elas ainda não estejam registradas, pois as que estão foram catalogadas por ele, que era muito organizado", diz.

Materiais e ferramentas que Walter Alfaiate usava em sua alfaiataria, em Copacabana - Cléber Mendes/Agência O Dia

O espaço do Retiro dos Artistas que abriga o material, guarda também as máquinas e ferramentas que Walter Alfaiate utilizava na confecção de roupas, além de sapatos, chapéus panamás, becas e miudezas, como uma caixinha repleta de abotoaduras de punho.

Projeto de centro cultural

Maria Cláudia tem o sonho de abrir um centro cultural que leve o nome do pai no bairro de Botafogo, onde o sambista foi criado. "Para isso, é necessário que haja algum apoio da iniciativa pública ou privada. A ideia é que o espaço tenha aulas capacitação em música e alfaiataria, as duas profissões que ele amava", que também tem planos para um musical sobre a vida de Walter Alfaiate.

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