Edison Lourival, vendedor ambulante da Cinelândia, diz que
Edison Lourival, vendedor ambulante da Cinelândia, diz que "com sede, brasileiro bebe qualquer cerveja" Luciano Belford/Agência O Dia
Por Gustavo Ribeiro e Luiz Franco*

Rio - Um grito de protesto ecoou nos bares do Rio afora após um amargo anúncio que desceu quadrado pela goela da cariocada. Com a mudança nas regras de padronização da cerveja brasileira, decretada pelo presidente Jair Bolsonaro na terça-feira, a loura gelada poderá ser produzida sem lúpulo, ter corante diferente do tradicional caramelo, outros cereais além do malte e até espuma artificial. "Pode mexer em tudo, menos na nossa cerveja sagrada!", puxou o coro o corretor de seguros Alexandre Antunes, 49 anos. Cervejeiros alertam que a bebida pode ficar com sabor de 'mentirinha' e conter agrotóxicos.

Bebedores de carteirinha arriscam dizer que o presidente tomou a medida mais impopular de seu governo. Se a Reforma da Previdência e os cortes na educação geraram protestos, há quem diga que 'meter o dedo' na cerveja alheia vá gerar revolução! "Se tiver protesto, eu tô dentro! E ainda vou com a minha cervejinha na mão para a manifestação", brincou o jornalista Vinícius Borja, 36.

'Se tiver protesto, eu tô dentro! E ainda vou com a minha cervejinha na mão para a manifestação', brincou o jornalista Vinícius Borja - Luciano Belford/Agência O Dia

"O país está afundando, a gente precisa de tudo, de saúde, segurança. Tem tantas prioridades que chega a ser absurdo", reforçou a também corretora Erica Serrão, 38, que parou em um bar com o amigo Alexandre ontem na saída do trabalho.

O alteração no decreto que dispõe sobre a produção da cerveja permite o uso de substitutos do lúpulo, planta que confere aroma e amargor à bebida, além de conservá-la. Outro ponto é a possibilidade de substituir parte do malte da cevada por cereais como milho e arroz, mais baratos. Será admissível ainda acrescentar à fórmula matérias-primas de origem animal, como leite e mel; além de chocolate, sem que a bebida perca sua denominação.

Para especialistas, as medidas podem ser positivas para a indústria, mas não caírem no gosto do consumidor. "As cervejarias vão conseguir baratear ainda mais seus custos, mas não vão produzir um produto melhor. Vão só lucrar mais. As mudanças abrem precedente para a cerveja se tornar cada vez mais artificial, com uma espuma de mentirinha, um sabor de mentirinha, e fazendo mal à saúde", apontou Felipe Lima, biólogo, cervejeiro e integrante do grupo "Cervejarias populares".

'Pode mexer em tudo, menos na nossa cerveja sagrada!', brincou o corretor de seguros Alexandre Antunes, com a amiga Erica Serrão - fotos Luciano Belford

Para o cervejeiro Diogo Cavalheiro, a bebida vai perder qualidade porque parte do malte utilizado no Brasil vem de países com legislação mais rígida, como Alemanha e Bélgica. "Como a gente não vai mais ser obrigado a usar esses produtos, a quantidade de agrotóxicos será muito maior", acrescentou.

Na contramão dos críticos está o sambista Dudu Nobre. "Se for pra melhorar a cerveja, show de bola, porque é uma instituição nacional".

Já o vendedor ambulante Edilson Lorival dos Santos não vê diferença: "Brasileiro com fome come até rato morto. Se estiver com sede, bebe qualquer cerveja".

Nutricionista diz que consumidor estar atento aos novos ingredientes

A nutricionista Ethel Santos discorda que a bebida possa ser considerada 'cerveja' após tantas mudanças. Por isso, o consumidor deve redobrar a atenção para não comprar gato por lebre. "Se tirar o lúpulo e não usar nenhum derivado da cevada, vai ser uma bebida alcoólica 'tipo cerveja'", afirmou. Mestre em alimentação, nutrição e saúde, ela também alerta sobre os impactos no sabor e na saúde. "O uso de cereais mais baratos, que levam livre uso de agrotóxicos e transgênicos, pode trazer alterações para o nosso DNA, aumentando a chance de a gente desenvolver algum câncer que não houvesse sinal no nosso material genético", explicou. Ainda segundo a especialista, a inclusão de produtos com alto índice calórico, como o chocolate, contribuem para a obesidade. "O uso de espuma e corantes artificiais, além dos agrotóxicos, é nocivo em caso de consumo excessivo. Essas substâncias podem destruir o cérebro e o fígado, causando doenças como cirrose, câncer e até depressão".

Indústria diz que sabor não vai mudar

A indústria minimiza os possíveis prejuízos. Paulo Petroni, diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil), destacou que o decreto não vai causar mudanças no sabor das cervejas popularizadas no país. "Não vai modificar o paladar, e sim ampliar a possibilidade de ter variações no portfólio dos fabricantes. Se algum nicho de consumidor quer cerveja com mel, vai ser atendido", afirmou. Segundo ele, a atualização do padrão era demanda antiga do setor. Assim algumas bebidas "mistas", com chocolate ou café, serão reconhecidas como cervejas, evitando repulsa dos consumidores. Sobre os agrotóxicos, ressaltou que os fabricantes têm controle rígido da qualidade dos ingredientes.

Em nota, a Ambev afirmou que o decreto "passa a apoiar ainda mais a criatividade cervejeira e a variedade de ingredientes e sabores, principalmente as microcervejarias, que são também uma das maiores provocadoras da inovação e da diversidade cervejeira (...) A qualidade sempre foi e continuará sendo o principal foco das nossas receitas".

* Estagiário sob supervisão de Thiago Antunes

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