Infografia O DIA - Infografia O DIA
Infografia O DIAInfografia O DIA
Por Bruna Fantti
Rio de Janeiro -- Usuário de drogas, Alexandre F.G.; 22 anos, possuía uma trouxinha de maconha em seu bolso ao ser revistado por quatro policiais, em Rio das Ostras, em junho de 2018. Detido de forma ilegal, ele foi algemado, jogado na caçamba da viatura e levado a um matagal. Lá, levou chutes no rosto, nas costas, choques elétricos, tapas no pescoço. Os agentes davam uma justificava torpe para a violência: queriam saber nomes de traficantes.
Infografia O DIA - Infografia O DIA
Publicidade
Os quatro PMs, dois sargentos e dois cabos, foram denunciados no dia 9 de julho deste ano na Justiça Militar. Ao todo, 17 policiais militares já foram denunciados desde 2018, quando os casos de tortura migraram da Justiça comum para a militar, com a controversa Lei 13.491 (que ampliou as possibilidades de militares suspeitos de crimes cometidos no exercício da função deixarem os tribunais comuns e serem julgados na esfera militar, em caso de crimes contra civis).
"Na época, alguns setores da sociedade tiveram receio de que os casos não fossem denunciados, temiam corporativismo das corregedorias e da Justiça militar", lembra o promotor Paulo Roberto Mello, da Auditoria Militar, autor da maioria das denúncias. A Anistia Internacional e alguns partidos políticos se manifestaram contrários à lei, por exemplo.
Publicidade
De acordo com pesquisa feita pelo O DIA no Tribunal de Justiça, no ano de 2017, antes, portanto, de a lei entrar em vigor, somente três policiais foram denunciados à Justiça por tortura, naquele ano.
Os outros casos de tortura em que o MP já pediu a condenação dos agentes, desde a mudança da lei, ocorreram em Itaperuna e Miracema, Noroeste Fluminense; e na comunidade da Rocinha, Zona Sul do Rio. No da Rocinha, um jovem, de 16 anos, foi a vítima, em outubro de 2017. Ele relatou que estava andando nas ruas da comunidade e portava R$ 80 em sua carteira, quando dois soldados o revistaram. Além de roubar o dinheiro, os agentes o acusaram de ser traficante e o espancaram para saber a localização de drogas e armas. 
Publicidade
O crime ocorreu em plena luz do dia. A Rocinha, em 2013, foi palco da tortura seguida de morte do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza. Ao todo, 12 policiais militares foram condenados pelo crime, em 2016.
Todos os relatos que chegaram ao MP foram repassados pela Corregedoria da PM. Mas, os números que chegam à Justiça ainda estão longe da realidade. Levantamento da Defensoria Pública mostrou que, entre agosto de 2018 e maio desse ano, 687 presos afirmaram terem sido torturados por policiais no momento da prisão.
Publicidade
Infografia O DIA - Infografia O DIA
Um dos casos de impunidade foi reaberto pelo Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp), em julho: a investigação das chacinas, ocorridas em 1994 e 1995, na Favela Nova Brasília, que resultaram na primeira condenação que o Brasil recebeu na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Publicidade
Na chacina de 1994, cerca de 40 policiais militares e civis invadiram cinco casas e fizeram disparos. Em uma residência, dez policiais violentaram três jovens, duas de 15 e uma de 16 anos de idade. Elas relataram que, além das agressões, uma delas foi forçada a fazer sexo anal. A outra foi levada por um policial pelo cabelo e obrigada a fazer sexo oral. Agora, peritos internacionais irão ajudar os promotores a ouvir as vítimas, que carregam sequelas psicológicas.
Sexo como tortura
Publicidade
"A violência sexual é utilizada como forma de humilhar a vítima para inibir que ela vá fazer uma denúncia", pontuou a promotora Karina Puppin. Atualmente, ela investiga três casos em que estupros foram cometidos por policiais militares como meio de tortura. Um deles ocorreu mês passado, em uma estação da SuperVia, em que dois jovens, usuários de drogas, foram obrigados a realizar sexo oral um no outro.
Outro caso ocorreu em dezembro do ano passado, em Belford Roxo. Quatro barbeiros passaram por uma sessão de espancamento. Um deles teve o pênis queimado com uma chapinha; outro, o cabo de uma vassoura introduzido no ânus. O mais recente ocorreu na Região dos Lagos: cinco jovens, entre eles, duas adolescentes, foram obrigados a deitar no chão. As meninas, com saias, tiveram o cano do fuzil introduzido em suas nádegas. A tortura física e psicológica tinha como objetivo encontrar drogas.
Publicidade
Na última semana, o MP passou a apurar o caso de um rapaz que sofre de esquizofrenia e alega ter sido chicoteado, no Complexo do Chapadão. "Eles pegaram todos os meus dados. Estou com muito medo de algo acontecer, por isso saí de lá e estou morando longe da comunidade", afirmou o irmão da vítima. Oito agentes já foram ouvidos na Auditoria Militar.
Segundo a cientista social Silvia Ramos, coordenadora do CESeC da Universidade Cândido Mendes, os dados mostram "a face mais chocante do sistema de justiça". E completa: "Agentes da lei, usando uniformes e armas da corporação, cometem tortura aberta. As vítimas são quase sempre pobres, negros e moradores das favelas, usuários de drogas ou os suspeitos de sempre".
Publicidade
Para Silvia, os mesmos policiais que praticam a tortura em presos e usuários de drogas são os que realizam alianças com o crime. "O corporativismo no caso de torturas cometidas por agentes é uma doença contagiosa. Se os comandantes não agirem com tolerância zero para práticas de tortura, os maus policiais vão predominar dentro da corporação. Precisamos limpar as polícias dessas práticas: sabemos que o agente que tortura é o mesmo que faz arranjos com o crime e aceita dinheiro de tráfico e milícias", disse.