Ana Helena diz que sofreu agressão no parto. Acima, a nova cartilha - Divulgação/álbum de família
Ana Helena diz que sofreu agressão no parto. Acima, a nova cartilhaDivulgação/álbum de família
Por Waleska Borges
Na sala de parto, Ana Helena Cavalcanti, 25 anos, que sempre sonhou em ter a primeira fi lha de forma natural, escutou da equipe médica que “seria a maior dor mundo e que ela não iria aguentar”. A empresária, que tentava uma indução, acabou fazendo uma cesariana contra a própria vontade. Tal tipo de violência obstétrica, por sinal, é realidade para uma em cada quatro gestantes no Brasil, segundo o estudo da Fundação Perseu Abramo, em parceria com o Sesc. Para promover a conscientização sobre os direitos das mulheres durante a gravidez e a atuação das doulas, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ), junto com a Associação de Doulas do Estado do Rio (AdoulasRJ), lança, na próxima terça-feira, o projeto ‘Doula a quem Quiser’.

A parceria prevê a distribuição de cartilhas informativas sobre a atuação das doulas — profissionais que oferecem educação perinatal e suporte emocional e físico às gestantes —, além da criação de um canal de denúncias para mulheres que tenham sofrido algum tipo de violência na hora do parto. As reclamações poderão ser feitas no portal www. violenciaobstetricafale.com. br e seguirão para o Núcleo Especial de Defesa dos Direito da Mulher (Nudem) da DPRJ.

De acordo com a subcoordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da DPRJ, Matilde Alonso, a iniciativa é importante para assegurar os direitos das mulheres. Segundo ela, em um primeiro momento serão distribuídas cinco mil cartilhas. “Toda mulher tem direito a cuidados de saúde dignos e respeitosos. A violência obstétrica ameaça o direito à vida e a integridade física das mulheres, o que representa uma grave violação aos direitos humanos”, orienta. Para a presidente da AdoulasRJ, Morgana Eneile, além da conscientização, a criação do canal de denúncias é fundamental para a construção de mecanismos de combate a esse tipo de violência.

“É importante que um órgão qualificado possa receber e identificar casos de violência obstétrica. Essa iniciativa é fundamental para prevenir e combater as diversas formas de violência de gênero que acontecem durante a gestação, o parto e o puerpério”, ressalta. Segundo Morgana, há vários tipos de violência obstétrica, entre elas, a física, que pode ocorrer por meio de manobras quando é feita pressão sobre a barriga da parturiente para empurrar o bebê, e a emocional, com humilhações contra a grávida.

“A cartilha e o canal para denúncias não são apenas para mulheres que querem contar com a atuação das doulas, mas para todas as grávidas. É uma cartilha de direitos”, assegura. Mãe de duas meninas, Lua, de 2 anos e seis meses, e Serena, de quatro meses, a empresária Ana Helena apoia a iniciativa. Depois da primeira experiência traumática, quando tentou induzir um parto natural, ela teve a segunda fi lha de parto normal com a presença de uma doula. “Tive a minha segunda filha num hospital público e da forma como queria. Apesar de ter muita informação, na primeira vez, houve toda uma manobra da equipe médica para que fosse feita a cesárea, que ocorreu numa unidade particular. Na hora senti um desconforto grande, eu me senti desrespeitada e invadida”, lembra

Redução na taxa de cesárea
A presença de doulas pode reduzir em 50% as taxas de cesárea e em 20% a duração do trabalho de parto. É o que garante a presidente da AdoulasRJ, Morgana Eneile. Ela também diz que há redução de 60% nos pedidos de anestesia e 40% no uso da ocitocina sintética (hormônio artificial que promove contrações), além de diminuir em 40% o uso de instrumentos como o fórceps e o vácuo extrator. No Estado do Rio, lei estadual permite a presença de doulas em todas maternidades.

A presidente do AdoulasRJ lembra, porém, que a doula não substitui o profissional de saúde, mas auxilia para que o parto aconteça de forma mais natural. Apesar de milenar, a profissão só foi reconhecida pelo extinto Ministério do Trabalho e Emprego em 2013. Em março deste ano, foi sancionada a Lei Estadual 8.307/19, que reúne políticas públicas para a atuação destas profissionais durante a gravidez, o parto e o pós-parto.

Agressões

Atendimento sem acolhimento em todas as fases que deflagram chegada do bebê.

Negar acompanhante em todas as etapas de preparação de qualquer modalidade da via de nascimento.

Aplicação do ‘sorinho’ — na verdade, a ocitocina sintética — por infusão intravenosa para acelerar o trabalho de parto, sem concordância da mulher.

Pressão sobre a barriga da parturiente para empurrar o bebê sob argumento de agilizar o nascimento — a chamada manobra de Kristeller.

Fazer comentários sobre a anatomia, estado civil, condição socioeconômica, raça, cor, etnia, idade, escolaridade, situação conjugal, quantidade de fi lhos e orientação sexual, além de ofensas, humilhações, xingamentos e comportamentos agressivos e ríspidos.

Amarrar a mulher.