Quase metade das coleções do museu (46%, o que equivale a 17 delas) foi perdida de forma parcial ou total, enquanto 35% (13 coleções) foram ou ainda estão sendo resgatadas em um processo que deve durar até o primeiro semestre do próximo ano. O arqueólogo Pedro Luiz Von Seehausen, de 32 anos, contou que, um ano após a tragédia, o sentimento é de que o Museu Nacional vive e ainda terá muitas histórias para contar. Seehausen, que assumiu o cargo em um concurso público logo após o incêndio, lembra dos momentos de tensão no início dos trabalhos.
“Era muito difícil de trabalhar. Tinha quase dois metros de ferragens. Nós trabalhávamos sob o sol de 40 graus em dias de verão, nos meses de dezembro, janeiro. Entrava nas ferragens e me queimava todo porque o sol aquecia tudo. Saía do palácio todo arranhado, arrebentado, mas com as peças”, lembra ele.
Para o arqueólogo, um momento marcante foi quando encontrou nos escombros, junto com um colega, um amuleto do tipo escaravelhocoração, que ficava no caixão da múmia de Sha-Amun-emsu. Essa é uma das peças de maior destaque da coleção egípcia do museu. O caixão permaneceu no escritório de Pedro II até a proclamação da República. Apesar de lacrado por mais de 2.700 anos, seu conteúdo já era de conhecimento dos pesquisadores, graças a uma tomografia realizada em 2005. O escaravelhocoração foi encontrado após exaustivo trabalho de peneiramento da sala do Egito.
“Foi um momento épico. Estávamos eu e meu amigo escavando quando ele pegou o escaravelho-coração e bateu um raio de sol. Então, pensamos: esse escaravelho está vendo a luz do sol depois de 2.700 anos. Foi um momento muito bom. Trouxemos à luz do dia aquilo que só tinham visto pela tomografia”, conta Seehausen.
A FELICIDADE DO RESGATE
Com a voz embargada ao falar de suas memórias, a arqueóloga Ângela Rabello, de 67 anos, 45 deles no Museu Nacional, lembrou da felicidade do resgate: “A gente bate palmas. Fica alegre. É um resgate de vida”. Dentro do palácio, todos têm que usar capacete, botas, luvas e máscara, todo cuidado é pouco para não comprometer a preservação dos itens. “As peças estão muito fragilizadas pelo fogo. É preciso cuidado para expor, porque o suor e a respiração da própria pessoa podem danificá-las”, comenta Ângela. Apesar das dificuldades, assim como os seus colegas de trabalho, ela seguirá na missão. “Em momento algum penso em parar. Enquanto tiver material para resgatar e avaliar, estarei lá”.
Técnica em restauração, Ana Luiza do Amaral, de 30 anos, desde 2015 no museu, lembrou que, além da história perdida no incêndio, muitos funcionários ficaram sem pertences de trabalho, como computadores e instrumentos científicos. Um ano depois, ela diz que a sensação é de esperança. “Engolimos a dor e colocamos a mão na massa. Não poderíamos nos dar por vencidos, essa é nossa casa”.
Amanhã, dia em que o incêndio no Museu Nacional completa um ano, será inaugurada, para convidados, na Caixa Cultural, no Centro, uma exposição gratuita com itens arqueológicos, incluindo material recuperado dos escombros do Palácio de São Cristóvão, sede do museu. A exposição ‘Santo Antônio de Sá: Primeira Vila do Recôncavo da Guanabara’ estará aberta ao público, a partir da terça-feira, dia 3, até o dia 8 de dezembro, sempre de terça a domingo. A mostra reúne relíquias arqueológicas que revelam como viviam os primeiros habitantes do chamado Recôncavo da Guanabara. Entre elas, o Tembetá, uma pequena joia utilizada pelos índios Tupi, no século 16.
O acervo é formado por peças encontradas no trabalho arqueológico feito na construção do Complexo Petrolífero do Estado do Rio (Comperj), em Itaboraí. Os itens que serão expostos, como cachimbos africanos e porcelanas portuguesas, compõem o acervo do Museu Nacional. Eles estavam guardados no Horto Botânico, da Quinta da Boa Vista, e não foram atingidos pelo incêndio.
PARA CURTIR HOJE
Terminam hoje as atividades do festival ‘Museu Nacional Vive’, em parceria com o Sesc-RJ, na Quinta da Boa Vista. O público terá acesso a 14 diferentes atividades promovidas por pesquisadores do Museu Nacional e outras 42 levadas por colaboradores das unidades do Sesc no Rio de Janeiro. Quem levar uma camiseta ou ecobag poderá customizar na oficina de estêncil, que utiliza tinta spray e moldes com estampas do Museu Nacional.