Em setembro de 2019, alunos se protegem dos tiros, na Maré - Reprodução / OTT-RJ
Em setembro de 2019, alunos se protegem dos tiros, na MaréReprodução / OTT-RJ
Por Bruna Fantti
Em um contexto em que helicópteros estão sendo usados quase diariamente em operações policiais, o Ministério Público do Rio delimitou, com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), normas de fiscalização sobre as operações que envolvam as aeronaves. “A Anac esclareceu que realiza fiscalizações em todo o território nacional e que iria incluir o Rio na sua agenda, assim que possível”, afirmou a promotora Cláudia Turner, do Grupo de Atuação Especializado em Segurança Pública. Caberá à Anac fiscalizar, por exemplo, os tipos de armas carregadas nas aeronaves. O controle da atividade policial será feito por promotores.

Por enquanto, a Anac checou as normas somente nas aeronaves da Polícia Civil, em agosto. “O Gaesp é favorável à instalação de câmeras nas aeronaves, assim como nos veículos das polícias e no próprio equipamento pessoal dos policiais, com o objetivo de garantir que todos os fatos vivenciados nas operações e no dia a dia das atividades policiais possam ser prontamente esclarecidos”, disse a promotora.

Ontem, o uso das aeronaves policiais foi alvo de denúncias de moradores dos complexos do Alemão e da Maré. Separados por três quilômetros, os conjuntos de favelas amanheceram com tiros disparados de fuzis a bordo dos chamados ‘caveirões aéreos’. A promotora lembrou que há uma instrução afirmando que os tiros devem ser “efetuados no modo intermitente, observando o número mínimo de disparos para o atingimento do objetivo almejado”. Não foi o que moradores flagraram em vídeos compartilhados nas redes sociais, com rajadas e sobrevoos perto de escolas e creches.

Na Maré, a operação foi realizada pela Polícia Civil. Durante a ação, um áudio escancarou a cruel realidade vivida pelos mais inocentes: as crianças. Uma aluna relatou o desespero ao escutar os tiros e denunciou que os disparos atingiram a sua escola. “Lá na escola começou a dar tiro do nada, o helicóptero veio baixinho. Aí depois veio o helicóptero apontando para as crianças. A gente veio subindo, correndo, e a gente ficou encurralado lá dentro.

A gente não levou nada para casa. Deu muito tiro e ficaram fuzilando lá a escola”, disse. Uma foto mostrou alunos sentados no chão do corredor da Escola William Peixoto, amparando-se durante os tiros. A ação na Maré foi para procurar Thiago da Silva Folly, o TH, que controla 11 favelas e é acusado de tráfico de drogas e homicídios. Não houve feridos ou presos.

Já no Complexo do Alemão, cinco homens foram mortos, segundo a Polícia Militar, em confronto. Um deles, identificado como Wellen dos Santos, de 18 anos, que seria mototaxista, a família afirma que não tinha envolvimento com o tráfico. Os outros não foram identificados. Na mesma ação, o policial militar Felipe Brasileiro foi baleado no peito e se encontra em estado grave, no Hospital Getúlio Vargas. “Ele ama a polícia, tenho certeza que vai sair dessa”, afirmou um tio do PM, na porta da unidade.

PM manda recorrer à Lei de Acesso à Informação
Se em 2017 foram realizadas inúmeras operações no Complexo do Alemão para a instalação de cabines blindadas da PM, que resultaram em mortes e feridos, ontem a ação da corporação, que deixou cinco  mortos, tinha o objetivo de retirar as mesmas estruturas.

A reportagem indagou à Secretaria de Estado da Polícia Militar quantas cabines foram retiradas, mas, em nota, a assessoria da corporação disse para “solicitar essa informação através da Lei de Acesso à Informação”. A pasta também não quis informar o destino das cabines.

Na ação de ontem, a Polícia Militar afirmou que conseguiu apreender no Alemão 47 artefatos de fabricação caseira, além de três pistolas e 13 carregadores. A Secretaria Municipal de Educação afirmou que não fechou as escolas públicas, mas que pais resolveram retirar as crianças por precaução, interrompendo as aulas. Em um vídeo, uma criança afirma: “Quero ir para a escola. Quero descer o morro”. A mãe, então, pergunta o motivo de ele não poder sair de casa. E ele responde: “É o tiro”.