Escondendo o rosto, policiais que estavam de patrulha no Alemão chegam à DH para depor - Reginaldo Pimenta
Escondendo o rosto, policiais que estavam de patrulha no Alemão chegam à DH para deporReginaldo Pimenta
Por O Dia
A Polícia Civil pretende fazer, ainda nesta semana, o teste de confronto balístico que desvendará a origem do projétil que matou a menina Ágatha Félix, de 8 anos, no Complexo do Alemão. Também será feita a reprodução simulada para auxiliar na elucidação do caso. Ontem, oito policiais militares que faziam patrulhamento na localidade onde a criança foi baleada, dentro de uma Kombi, na noite da última sexta-feira, prestaram depoimento na Delegacia de Homicídios (DH) da Capital. Cinco testemunhas também foram ouvidas. A família afirma que o tiro partiu de policiais militares.

“Nós conseguimos apreender dois fragmentos de projétil, que serão encaminhados para a perícia. Faremos um exame de confronto balístico ainda nesta semana”, informou o delegado Antônio Ricardo, diretor do Departamento Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa (DGHPP). Apesar de o crime ter ocorrido na sexta-feira, somente ontem as armas dos agentes foram recolhidas. Indagado, o governador Wilson Witzel não viu problema no procedimento. “A respeito do recolhimento das armas, tenho certeza que o delegado está tratando da forma como deve ser tratada”, disse, em coletiva.

O confronto balístico será feito a partir dos fragmentos retirados do corpo de Ágatha. O recolhimento deles só foi possível no domingo, após um funcionário ser chamado para operar o scanner que identificou os objetos no corpo da criança. A PM afirma que as armas são registradas toda vez que o policial as retira para trabalhar, não sendo possível uma troca na apresentação do armamento.

De acordo com o delegado Daniel Rosa, da DH, todos os protocolos estão sendo aplicados, como o depoimento das testemunhas, a perícia no local, a apreensão das armas e o confronto balístico.“Até o momento estamos realizando as oitivas dos policiais que teriam participado da ocorrência. São policiais que estavam em patrulhamento na localidade”, explicou.

O delegado ressaltou que os depoimentos dos policiais e demais testemunhas serão mantidos em sigilo para “garantir eficácia na investigação”. “Após retirado do local do crime, ou do cadáver da pessoa, o projétil passará por perícia para saber se foi de pistola, fuzil. Esse dado, qual é o calibre efetivo, daquele projétil que tirou a vida da Ágatha, no momento, não sabemos”, comentou Rosa.

Segundo o delegado, em tese, oito armas, entre pistolas e fuzis, participaram da ocorrência. “Embora todas não tenham atirado, isso é um dado importante”, esclareceu. Ele disse, ainda, que não havia operações no momento, mas um patrulhamento de rotina. “Os policiais não são suspeitos. Eles estão sendo ouvidos na qualidade de testemunhas, assim como os integrantes da Kombi e familiares”, contou.

Quatro crianças mortas em confronto
Outras quatro crianças morreram baleadas em confrontos no Estado do Rio em 2019. Somente um caso está na Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), o de Jenifer Gomes, de 11 anos. “Houve um confronto entre traficantes”, disse o delegado Daniel Rosa, titular da DHC.

A menina morreu em Triagem, na Zona Norte, quando enquanto em frente ao bar da mãe. Já o caso de Kauê dos Santos, 12, baleado no Chapadão, na Zona Norte, foi encaminhado à Justiça, mas para decidir se será aberta investigação. Segundo a Polícia Civil, os PMs envolvidos no caso foram ouvidos e sustentaram que o menino participou do confronto. A família nega. Como os agentes realizaram, na ocasião, quatro prisões em flagrante, o caso seguiu para análise do Ministério Público sobre a abertura de processo investigativo.

Segundo o delegado Moisés Santana, a Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF) irá fazer uma reprodução simulada da morte de Kauan Peixoto, 12. Não há novidades na investigação sobre Kauã Rozário, 11, atingido por uma bala perdida na Vila Aliança.
Política de segurança do Rio divide autoridades no país
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O presidente em exercício, Hamilton Mourão, defendeu ontem a atuação de policiais no caso que resultou na morte da menina Ágatha Félix. Mourão colocou em dúvida a versão da família de que a menina foi atingida por disparo feito por policiais. “É aquela história, é a palavra de um contra o outro. E vocês sabem muito bem que nessas regiões aí, de favela, se o cara disser que foi traficante que atirou (contra a criança), no dia
seguinte ele está morto”, disse Mourão a jornalistas.
Ainda segundo Mourão, o tráfico coloca as pessoas em risco. “O Estado tem que fazer as suas operações e procurar de todas as formas possíveis a segurança da população. Eu comandei tropa que operou no (Complexo do) Alemão e na Maré, e o narcotráfico coloca a população na rua e atira contra a tropa. Então, ele (narcotráfico) coloca em risco a própria gente que habita aquela região”, afirmou.
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Já o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, criticou a política de segurança do governo do estado e pediu que as operações em comunidades comecem antes do horário escolar. “Acho que chegou a hora de se ponderar essas ações nas comunidades. O Rio de Janeiro não suporta mais ver as balas perdidas atingirem inocentes. Faço um apelo às polícias para começarem operações antes do horário escolar. Porque aí as crianças não saem de suas casas para ir à escola, ficam em casa onde estão mais seguras”, afirmou.
Segundo o prefeito do Rio, somente este ano as escolas da rede pública municipal já perderam mais de 700 dias de aula por conta de ações policiais nas comunidades.
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No início da noite de ontem, o presidente da OAB-RJ, Luciano Bandeira, entregou uma representação ao procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem, solicitando que sejam adotadas medidas de redução de danos em operações policiais.
“A Ordem acredita que chegamos a um momento limite. Não podemos aceitar que crianças de oito anos de idade - e que não é a primeira - morram em razão de uma política de segurança que privilegia o confronto. Nós viemos buscar junto ao Ministério Público que se estabeleçam regras mínimas que preservem o bem maior, que é a vida das pessoas que moram nessas comunidades”, destacou Luciano.
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No texto, a OAB reforça que o caso de Ágatha não é uma exceção à regra. Só em agosto, 170 pessoas morreram em decorrência da letalidade policial, segundo o Instituto de Segurança Pública. Desde janeiro  deste ano, foram 1.249 mortes, um aumento de 16,2% em relação ao mesmo período em 2018. 
Witzel é denunciado na ONU
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A Unicef Brasil e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) se manifestaram sobre a morte de Ágatha Félix. A Comissão Interamericana exigiu a identificação e a definição de responsabilidades pela morte da menina.
Já a Unicef Brasil declarou, em nota, que “apela para o compromisso de proteger o direito à vida de cada menina e menino, de prevenir homicídios e de priorizar a investigação das mortes violentas de crianças e adolescentes”.
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O caso também foi parar na Organização das Nações Unidas (ONU), na forma de uma denúncia contra o governador Wilson Witzel, feita pela ONG Justiça Global, em conjunto a oito entidades que atuam em favelas no Rio. Os documentos foram entregues à alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, e à Relatoria Especial sobre Execuções Sumárias e Extrajudiciais, e pede que a ONU “demande uma  explicação do Estado Brasileiro sobre as brutais violações de direitos humanos praticadas contra as favelas, que violam tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário”.
Participaram desta reportagem Anderson Justino, Bruna Fantti, Gustavo Ribeiro e Waleska Borges