Ryan, estudante preso no Jardim América, faz Enem: 'Quero uma federal. Eu vou conseguir!'
Garoto de 18 anos quer fazer Engenharia Mecânica, e foi detido por crime que alega não ter cometido
Por Rachel Siston*
Rio - Depois de deixar o presídio Ary Franco em liberdade provisória, o estudante Ryan dos Santos, de 18 anos, foi um dos 5.095.308 candidatos que realizou as provas do primeiro fim de semana do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), neste domingo. Sonhando cursar Engenharia Mecânica em uma universidade federal do Rio, o jovem quase foi impedido de fazer o exame, quando foi preso por um crime que diz não ter cometido, em 4 de outubro, na favela do Dique, Jardim América, Zona Norte do Rio.
Ryan conta que no dia de sua prisão, andava de bicicleta sem camisa pela comunidade, quando um confronto entre policiais militares e criminosos começou. Ele lembra que ao tentar se proteger dos disparos, foi abordado por um PM e preso. Na época, a PM chegou a alegar que o jovem carregava uma mochila com drogas e radiotransmissores. Longe das salas de aula, Ryan também não conseguiu estudar na cela, porque não havia livros didáticos.
"Eu não tive como estudar, lá só tinha livro de literatura e bíblia, mas, mesmo se tivesse livros de escola (didáticos), eu não ia conseguir me concentrar, só pensava em sair da cadeia. Passei o tempo todo lendo e escrevendo. Eu sou inocente, nunca tive envolvimento com tráfico, eu estudei o ano todo para passar para engenharia mecânica", lamentou o jovem.
Apesar de ter sido prejudicado, Ryan não perdeu as esperanças. Ao lado da mãe, Glauci Barcellos, o estudante chegou ao Colégio Estadual Marechal João Baptista de Mattos, em Coelho Neto, na Zona Norte, com uma hora de antecedência.
"Ontem tive aula, anteontem, também, para tentar recuperar os dias que não pude estudar. Mas, minha expectativa é boa, revisei mais a redação para tirar a nota máxima e conseguir entrar para uma faculdade federal, e eu vou conseguir."
As boas expectativas não são só do jovem. Ansiosa para fazer as provas, a cuidadora em saúde, Richile Melo, foi a primeira a chegar à unidade de ensino, por volta das 9h. A cuidadora que prestou o exame pela primeira vez e quer cursar Psicologia, disse que chegou cedo por medo de se atrasar.
"Quis vir cedo, para não correr o risco de perder a prova. Quero começar uma faculdade de psicologia e nada pode dar errado, estudei muito para passar e não vai ser o atraso que vai me impedir", brincou Richile.
* estagiária sob supervisão de Waleska Borges
Show dos 'adiantados'
Publicidade
Mais esperado que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em todas as edições, o show dos atrasados movimenta as redes sociais. Mas esse ano os internautas foram surpreendidos pelo "show dos adiantados". Muitos candidatos chegaram aos locais do exame com mais de uma hora de antecedência, porque celulares atualizaram para o horário de verão e foram adiantados em uma hora.
No Twitter, em tom de brincadeira, usuários lamentaram o fim do show dos atrasados. Uma usuária postou "até agora desacreditada que não teve show dos atrasados". Outro postou: "Os atrasados do Enem desse ano não é mais (sic) como os anteriores".
Um grupo de amigos chegou para as provas por volta das 10h30, porque se assustaram com o horário que seus aparelhos marcavam. "Quando olhei meu celular, tomei um susto e comecei a me arrumar, com medo de perder a prova. Fui ver se todo mundo estava atrasado como eu, mas só depois percebi que tinha atualizado para horário de verão", conta a candidata Júlia Azevedo, de 17 anos.
Já pensando no ENEM 2020, as estudantes Isabela Lima, 15, e Aline Costa, 16, venderam salgados e bebidas na porta do Colégio Estadual Marechal João Baptista de Mattos, para conseguirem o valor das taxas de inscrição, que este ano foi de R$ 85. "Não fizemos a prova porque a gente não tinha o dinheiro suficiente, e não conseguimos isenção na inscrição. Como ano que vem é último ano da escola, já estamos juntando dinheiro, porque se a gente não conseguir a isenção de novo, pelo menos vamos conseguir pagar a taxa", disseram.
Publicidade
Redação
sobre cinema
Publicidade
Neste fim de semana, os candidatos tiveram que responder 45 questões objetivas de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, além de Ciências Humanas e suas Tecnologias, além de elaborar uma redação com o tema "Democratização do acesso ao cinema no Brasil".
Para o professor de redação do ProEnem, Romulo Bolivar, o assunto não foi surpresa para os participantes que se prepararam. "É um tema social, relacionado à realidade brasileira, porém não moralmente polêmico. Ao propor esse tema, a banca propicia aos candidatos uma discussão sobre o direito, constitucionalmente previsto, de acesso à cultura. É importante o candidato lembrar-se de que, se em muitas metrópoles o acesso a salas de cinema é próximo e barato, em muitas cidades do Brasil não há cinema algum que se possa frequentar", explicou o professor.
Publicidade
No próximo domingo, será a vez das provas de Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Matemática e suas Tecnologias. Os portões abrem às 12h e fecham às 13h30. É recomendado que os candidatos cheguem com uma hora de antecedência.