Rio,29/11/2019 -ROCHA MIRANDA -Especial, Baleiro poeta, vendedor de balas que recIta poemas nos onibus. Na foto, Sirio Schwamborn Junior  .Foto: Cleber Mendes/Agência O Dia - Cléber Mendes
Rio,29/11/2019 -ROCHA MIRANDA -Especial, Baleiro poeta, vendedor de balas que recIta poemas nos onibus. Na foto, Sirio Schwamborn Junior .Foto: Cleber Mendes/Agência O DiaCléber Mendes
Por Bernardo Costa

Rio - Sirio Schwamborn Júnior, de 66 anos, pede licença ao motorista, entra no ônibus e recita os primeiros versos da viagem: "Por que enriquecer sem ser com o suor do rosto? Somente aquele que luta tem o pão que lhe faz gosto". No fim do poema, entregue aos passageiros em um bilhete, oferece as balas que vende a um real nos coletivos da linha 562 (Duque de Caxias-Freguesia).

Enquanto espera sair sua aposentadoria, Sirio trabalha como camelô para sobreviver. E encontrou, na poesia, um diferencial que o ajuda nas vendas e é capaz de envolver os passageiros em discussões sobre temas sociais, suscitados por poemas de Castro Alves e Agostinho Neto.

Quando o ônibus passava na altura de Madureira, a passageira Maria Augusta da Costa, de 71 anos, se emocionou com os versos do angolano Agostinho Neto recitados por Sirio: "Outros viemos. Lutar para nós é ver aquilo que o povo quer realizado".

"Eu não esperava ver isso no ônibus. Acho bonito as coisas que ele falou. Se todos procurassem fazer o mesmo, o mundo seria melhor. São palavras que fazem a gente refletir", disse a aposentada, que comprou balas de banana.

Dona Maria Augusta compra balas de banana após se emocionar com versos de Agostinho Neto - FOTOS DE Cléber Mendes

A viagem segue. Sirio recita mais poemas, vende doces e se despede, depois de propagar seu lema: "Resistência cultural popular suburbana. Mais poesia, mais amor, menos armas".

"Quando decidi ser camelô nos ônibus, tive a ideia de usar a poesia para atrair a atenção dos clientes e também despertar a consciência deles. Quero mostrar que a poesia é o caminho do amor. Precisamos dela, cada vez mais", disse o vendedor.

Em suas viagens, o baleiro poeta tem tido retorno positivo, de vendas e de afeto. Passageiros trocam contato e passam a enviar-lhe poesias via WhatsApp, que Sirio inclui no repertório de seu recital nos coletivos. Na loja Tarita Doces, no Mercadão de Madureira, onde parou para abastecer o gancho de mercadorias, o fiscal Sandro Tavares fez questão de não cobrar pelo pacote de balas de menta. "O Sirio é um cara do bem e traz alegria para a gente quando diz umas poesias engraçadas. Mas é na crítica social que as pessoas aplaudem", contou Sandro.

Sirio recita poema para camelôs em Madureira - Cléber Mendes

Ao deixar a loja, uma pausa para conversar com os colegas camelôs, já que a categoria é tema de um poema de Sirio, que diz: "Camelô não é ladrão. É trabalhador igual a vocês. Vítima dessa nação".

"É verdade. Tem muito motorista que não deixa a gente trabalhar. Acham que vamos entrar no ônibus para roubar, fazer alguma coisa errada", protesta o ambulante Matheus Vieira, de 15 anos.

Gosto pela leitura e causas sociais

O gosto de Sirio Schwamborn Júnior pela poesia vem de infância. Quando o pai percebeu nele o dom para a oratória, passou a presenteá-lo com livros do gênero. Sirio é nascido e criado em Rocha Miranda, e explica que o sobrenome vem do avô alemão. "A família decidiu vir para o Brasil depois que a Alemanha ficou devastada pela 1ª Guerra Mundial", comentou.
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A veia poética ficou adormecida por anos. "Nunca imaginei que isso era para mim. Agora, estou podendo dar vazão a essa aptidão e percebo que, como eu, há muita gente interessada na cultura", comenta.
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Hoje camelô, Sirio trabalhou como maquinista dos trens urbanos entre 1976 e 1995. Em 1980, ele teve que deixar a profissão por perseguição política durante a ditadura militar. "Eu era comunista e agitador político. Fui ameaçado de morte por agentes do Doi-Codi e fugi para Mato Grosso".
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Hoje, o combate é outro. Sirio luta pela sobrevivência, mas sem perder a doçura jamais: "Além de vender balas, quero propagar coisas boas".
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